A Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Cabaceiras – Paraíba


Cabaceiras é reconhecida por inovar na produção de artesanato em couro caprino com pouca água em meio ao semiárido.

O Território

O município de Cabaceiras está localizado na Paraíba, há cerca de 180 km de João Pessoa, na região do Cariri Oriental. Localizado no Planalto da Borborema, a região tem clima semiárido, e os biomas principais são a caatinga e a mata atlântica. Por conta do planalto, Cabaceiras se destaca pelo baixo índice pluviométrico anual, sendo o menor do nordeste. Apesar da pouca água e as dificuldades que isso poderia trazer para uma cidade com grande população rural, Cabaceiras se destaca por ter se tornado polo do artesanato em couro, sendo um dos melhores do Brasil em produção de couro caprino.

O município também ganhou o título de “Roliúde Nordestina” e mantém o “Memorial cinematográfico”, que tem como foco preservar, pesquisar, exibir e fomentar o cinema na Paraíba. O filme “O auto da compadecida” foi gravado no centro histórico da cidade.

Ainda em Cabaceiras, vários geossítios atraem os olhares curiosos e atentos às formações geológicas da era mesozóica e pinturas rupestres de cerca de 12 mil anos, atribuídas aos indígenas Cariris que habitavam a região. Entre os geossítios mais visitados estão o Lajedo de Pai Mateus e Saca de Lã.

Entre lajedos, cinematografias e a cultura do couro, a cooperatividade em Cabaceiras parece fazer parte de um sentimento uníssono. O turismo cultural permite que a população local tenha autonomia, contando a história do próprio território e trazendo o protagonismo necessário de toda cadeia produtiva do couro. Conhecimento essencial para um consumo consciente, que traz consigo o rosto de quem faz.

Crédito da foto: Bruna Dias

Como nasce um polo criativo?

A cultura do couro em Cabaceiras, segundo relatos, já existe há pelo menos 3 gerações, a princípio como atividade secundária a agricultura e a criação de animais. O distrito da Ribeira, na década de 70, era considerado um dos maiores produtores de alho do Brasil. Porém, por ser a cidade com menor índice pluviométrico do Nordeste, o período de chuvas é curto e por vezes não é suficiente para encher barreiros e tanques d’água para manter animais e roçados vivos e alimentados.

E é justo em um momento de estiagem que o couro vira protagonista, curiosamente, no período que poderia ser de maior escassez para toda população. Na década de 80, a atividade do artesanato em couro se intensifica. Com o aumento da instalação de pequenos curtumes nas margens do rio e seu consequente impacto em uma das poucas fontes de água potável da região, a prefeitura municipal de Cabaceiras desenvolveu em 1984 uma proposta de “curtume coletivo”. O objetivo era concentrar a atividade em um galpão com alguns maquinários, no distrito da Ribeira.

A princípio houve resistência, mas em 1988, um dos curtidores mais atuantes da região, José Carlos de Castro, participou de alguns cursos em Campina Grande e voltou aplicando seu conhecimento nas suas produções e passando adiante o aprendido, estimulando outros curtidores a aperfeiçoar o processo de beneficiamento do couro.

Foram anos de entendimento, investimento e descobertas até que em 1998 criou-se a ARTEZA – Cooperativa dos Curtidores e Artesãos em Couro de Ribeira de Cabaceiras, reunindo 28 cooperados associados em torno do que viria a ser o grande sustento da população.

Processo produtivo da Cooperativa ARTEZA / Crédito das fotos: Bruna Dias

Como se mantém um processo criativo?

O distrito da Ribeira, localizado a 12 km do centro de Cabaceiras, sedia um dos maiores polos de produção de couro do Brasil, ganhando destaque pela excelência do couro caprino. A Ribeira poderia facilmente ser mencionada como referência de autonomia através do artesanato e do cooperativismo. O distrito, que conta com pouco mais de 5 mil habitantes, não compartilha da realidade de desemprego de boa parte do Brasil. Ao contrário, frequentemente precisa de mão de obra para trabalhos nos curtumes e ateliês.

No centro da Ribeira encontra-se a sede da ARTEZA, com seu centro administrativo e as oficinas de uso em comum dos 75 cooperados. Mais distante do centro, o curtume coletivo, que também é de uso da ARTEZA, conta com visita guiada para que curiosos e turistas entendam todo o processo de beneficiamento do couro caprino. A ARTEZA, que iniciou suas atividades com 28 cooperados homens, atualmente é sede de 75 ateliês que também contam com forte presença feminina, mostrando que a expansão e a cultura do couro propiciam autonomia independentemente de gênero, raça ou classe.

São muitos os processos do trabalho com o couro até que ele se torne um produto a ser comercializado. Caleiro, raspagem, descarne, curtimento vegetal, lavagem, secagem, acabamento, montagem, costura… Toda essa cadeia representa tempo e dedicação, mas também emprego e autonomia. Pensando na constante demanda de mão de obra e na importância da perpetuação de saberes e tradições, Luís um dos organizadores da ARTEZA, destinou um espaço para criação da Oficina de Saberes. Nesse espaço, o ofício do couro é ensinado para crianças da região no contraturno do horário escolar, com apoio e autorização dos pais e a remuneração das produções.

Vale ressaltar que nem todos os ateliês e artesãos fazem parte da cooperativa e que a rede que se forma vai muito além dos 75 cooperados registrados na ARTEZA. Nos processos das feituras, encontramos a diversidade de produtos e criações entre os ateliês, desde peças mais formais e básicas a produtos com mais desenho e traços artesanais marcados. Ateliês, como o de seu Manuel Carlos, onde o processo manual é predominante na criação. Ou industrianatos que seguem linhas de produção e uso de máquinas, com processos bem automatizados.

No distrito da Ribeira, o entendimento do artesanato e do cooperativismo acontece na prática, trazendo para a população o reconhecimento da própria cultura, diluindo o pensamento de escassez e menor valia dos processos artesanais imbuídos pelo sistema capitalista e pelo racismo estrutural do país. Proporciona, assim, a quem se interesse um ponto de vista próspero do semiárido nordestino, onde a escassez de água nada tem a ver com pobreza.

Crédito das fotos: Bruna Dias

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