Central Veredas
O trabalho com algodão no noroeste de Minas Gerais é antigo e tradicionalmente ocupação doméstica e feminina. Antes para suprir as necessidades internas do lar, hoje é fonte de renda única ou complementar das artesãs, que sustentam, vivem, criam com o ofício.
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Sobre as criações
“Topar um vivente é que era mesmo grande raridade. Um homenzinho distante, roçando, lenhando, ou uma mulherzinha fiando a estriga na roca ou tecendo em seu tear de pau, na porta de uma choça, de buriti toda”.
Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas
A pluma de algodão cardado é manejada com destreza pelos rápidos dedos das fiandeiras. É preciso coordenar os movimentos dos pés no pedal da roca com as mãos que esticam e torcem a fina penugem branca a ser fiada. Uma dança graciosa ritmada pelo silêncio do tempo que passa, pelo canto dos mutirões ou conversas cotidianas. O trabalho com algodão no noroeste de Minas Gerais é antigo e tradicionalmente ocupação doméstica e feminina. Antes para suprir as necessidades internas do lar, hoje é fonte de renda única ou complementar das artesãs, que sustentam, vivem, criam com o ofício.
O algodão fiado pelas associadas pode ser fino, médio ou grosso. Cada gramatura conta com um tempo diferente para a produção, sendo o mais fino o mais demorado e assim sucessivamente. Os novelos redondos são abertos na meadeira, formando meadas que serão tingidas com corantes naturais da flora local e, depois, retornarão à forma de novelo.
A tecelã recebe os novelos e monta em seu tear de pedal o urdume, conjunto de fios que sustenta a trama. A navete contendo o fio da trama atravessa de um lado a outro a extensão do urdume, formando o tecido. Além das fiandeiras e tecelãs a associação conta também com um número crescente de bordadeiras que criam com pontos e cores ricas representações da fauna e flora do cerrado mineiro.
Além de trabalharem os fios, as artesãs também desenvolvem produtos com os talos das folhas de buriti. Trançar a palha do buriti é fazer artesanal tradicional do lugar. Há várias gerações com ela se fazem balaios, cestas, peneiras, redes e esteiras. Para as caixinhas produzidas pela associação de Urucuia, utiliza-se de maneira sustentável o braço ou a casca da palmeira. Os tamanhos e modelos variados que servem tanto como embalagem para os doces como caixas para uso em geral. A caixa de Urucuia foi um dos vencedores do Prêmio Planeta Casa 2003, na categoria produtos. O uso da matéria-prima é sustentável, o grupo é bastante atento com a questão da preservação ambiental. Somente o braço do buriti é utilizado para a produção das caixas, por ser a folha seca que a palmeira descarta. Assim, a planta não é agredida.
Sobre quem cria
A Central Veredas é uma rede solidária formada por 8 núcleos produtivos distribuídos nos municípios de Natalândia, Sagarana/Arinos, Bonfinópolis de Minas, Riachinho, Serra das Araras/Chapada Gaúcha, Urucuia, Uruana de Minas e Arinos. Esses municípios integram a região do Vale do Rio Urucuia, no estado de Minas Gerais.
Em 2002, a Artesol realizou na região um projeto para o resgate e o fortalecimento das técnicas tradicionais. Na época, as artesãs receberam capacitação nas técnicas artesanais, aprimoramento do produto, formação de preços, organização do trabalho e associativismo, o que acabou por fortalecer as associações em cada município.
Em 2008, a Central Veredas foi formada a partir da união em rede dessas associações, que constituíram parcerias solidárias para consolidar a sua estrutura e fortalecer os núcleos, garantindo-lhes acesso ao mercado, qualificação, aplicação de preços justos, divulgação dos produtos artesanais, exercendo sua defesa socioeconômica e ambiental, combatendo os trabalhos escravo e infantil e promovendo a igualdade de gênero. Cada núcleo produtivo desenvolve um conjunto de técnicas artesanais próprio e muitas vezes dividem as funções dentro de uma mesma técnica: uma associação fia o algodão que é tecido em tear manual por outra associação. A sede da Central Veredas está localizada na cidade de Arinos, onde também fica a loja para a comercialização dos produtos desenvolvidos por cerca de 100 artesãs.
Sobre o território
Ao longo do rio Urucuia, grande afluente da margem esquerda do rio São Francisco, estende-se um vale que foi, a partir do século XVIII, um ponto de intersecção de vários caminhos que levavam às áreas mineradoras do Centro-oeste e aos Currais, regiões de criação de gado do São Francisco que começavam em Minas Gerais e se estendiam pelo Nordeste. O Vale do Urucuia, suas gentes e culturas foram imortalizados pela literatura de Guimarães Rosa na obra Grande Sertão: Veredas. E é Riobaldo, reproduzindo a fala do jagunço Quipes, quem coloca a pergunta fundamental: “O Urucuia não é o meio do mundo?”
A região do vale conta com áreas de cerrado e mata seca. As veredas são os grandes protagonistas do cenário paisagístico da região e trazem aos sertanejos importantes possibilidades de sustento, como os buritis. As veredas são um subsistema do bioma de cerrado, cuja principal característica é a presença de água que formam caminhos aquosos em meio ao solo pantanoso. Muitas veredas têm desaparecido com o aumento do desmatamento e o uso abusivo da água pelo agronegócio, o que tem impactado, por exemplo, o plantio do algodão crioulo, do qual viviam várias famílias. O incentivo, nesse sentido, ao artesanato na região como possibilidade econômica, estimula a produção do algodão, e também levanta a urgência de um debate responsável em torno do agronegócio, e de medidas mais eficazes para o controle ambiental da região.