A Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Edicinamar de Nazaré da Rocha e Silva


SourePA

As Varinha da Conquista que Edicinamar produz são uma herança indígena tradicional da Ilha do Marajó, Pará. Fruto de uma prática baseada na herança entregue através de gerações – usualmente na forma de transmissão oral – a produção das varinhas vem sendo mantida e perpetuada há décadas pela família Rocha e Silva.

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Sobre as criações

Detentora de uma estética harmônica, que guarda em seu fazer a geometria herdada da arte marajoara e mantida pela arquitetura típica com guarda-corpos primorosos em originalidade de traçado, as Varinhas da Conquista são um dos tesouros culturais encontrados na Ilha do Marajó, Pará.

Fruto de uma prática baseada na herança entregue através de gerações – usualmente na forma de transmissão oral – a produção das varinhas vem sendo mantida e perpetuada há décadas pela família Rocha e Silva. A matriarca, Dona Nilma foi quem recebeu da avó materna o saber tradicional com o qual criou os 12 filhos, dos quais cinco ainda praticam. Entre eles, Edicinamar, conhecida por Baixinha do Regatão, que tomou para si, há mais de 40 anos atrás, a missão de continuidade dessa arte. E dela vive exclusivamente.

Munida de firmeza nas mãos e paciência, ela habilmente realiza cortes na varinha, ora verticais, ora horizontais. O cruzamento das linhas dá origem a peças geométricas que são delicadamente retiradas de maneira alternada formando um contraste entre claro, representado pelo miolo da vareta, e escuro, representado pela casca da árvore. No feitio, o instrumento de corte permanece imóvel – é com a habilidade do dedo guia e da mão que se faz a volta completa ao redor da varinha. Um ofício que os artesãos denominam de “bordado”, constituído em meio a “pontos” que são na verdade os motivos do grafismo, baseados em cerca de 15 desenhos originais deixados pela avó. “De um ponto, a gente já cria outro, isso é o encanto”.

A haste utilizada é retirada de um arbusto chamado taquari (Mabea Taquari Aubl.), usado antigamente pelos indígenas para a produção do arco e flecha e para o fumo do cachimbo. Pertence à família das euphorbiaceae, comum na região, cujo nome popular é Santa Clara – por
isso seu segundo nome de batismo: Varinhas de Santa Clara. No momento da coleta, não há necessidade do corte da árvore, que continua o ciclo de crescimento mantendo a ramificação de 6 varas em média em cada nó. Dependendo da idade do arbusto, os diâmetros das ramificações variam, oferecendo diferentes possibilidades ao artesão. “Quanto mais a gente tira mais ela tem a capacidade de brotar. A gente tira e deixa o toco dela pra ela brotar”.

O corte é feito com terçado (foice). Perene, o arbusto permite que o artesão se abasteça regularmente durante todo o ano. Já em casa, Edicinamar gosta de deixá-las murchar ao vento para começar a bordar. “Ela tem um leite, gosto de deixar escorrer.” Depois de prontas põe para secar ao sol ou à sombra para perderem um pouco do peso, principalmente em se tratando de encomendas para viagem, o que reduz significativamente o custo de frete.

Edicinamar de Nazaré da Rocha e Silva / Crédito das fotos: Divulgação

Sobre quem cria

A mãe de Baixinha, Dona Nilma, era neta de indígenas e aprendeu o ofício, por tradição, com sua mãe, avó de Edicinamar. Assim como as demais mulheres da família, Baixinha tem sua historia como artesã iniciada na infância. Herança da avó, que segue para filhos, sobrinhos e netos. Onde quem vem depois honra e ajuda os mais antigos e experientes. Ela começou a bordar na idade de 6 a 7 anos – enquanto a mãe fazia o bordado, a menina aprendia só olhando. São em 12 irmãos, entre homens em mulheres e quase todos aprenderam mas quem teve interesse e levou adiante a missão de perpetuar a arte foi ela. Na família assumiu também a responsabilidade pelas vendas, da sua própria produção e de todos os outros irmãos, que seguem no ofício sem o compromisso comercial.

“É minha força de sobrevivência. Nunca deixo de fazer, nunca vou abandonar. Aprendi devido a mãe bordar muito, era nosso sustento. Minha mãe borda até hoje, aos 76 anos”.

O pai, Mestre Regatão, falecido há cerca de três anos, era mestre de Carimbó. Cantor e compositor, foi um dos primeiros membros a trazer o Carimbó para o Marajó. Recentemente recebeu em homenagem a construção de uma praça em seu nome, a Praça do Regatão. “Era ele quem vendia nossas varinhas, ele saía na bicicleta e vendia. Dizia que produzia mas só vendia mesmo.”

Uma família que nunca negou conhecimento a ninguém. Bastava querer aprendeu e Dona Nilma ensinava, e assim Edicinamar segue fazendo. “Artesanato é uma coisa que sai da cabeça. Quando mais a gente faz, mais a gente vai criando novas coisas.”

Apesar de clientes ilustres como a escritora e poetisa Marta Medeiros e a curadora Adélia Borges que fez encomendas na ocasião da exposição de abertura do CRAB (Centro de Referência do Artesanato Brasileiro), a maioria de suas vendas ainda é para um mercado local. Sem apoio dos gestores locais ou programas de âmbito estadual ou federal, seu trabalho segue quase anônimo ou muito pouco divulgado pelo resto do Brasil. Recepciona, demonstra e ensina muita gente, mas recebe muito pouco em troca.

Edicinamar de Nazaré da Rocha e Silva / Crédito das fotos: Divulgação

Sobre o território

As Varinha da Conquista são uma herança indígena tradicional da Ilha do Marajó. Segundo Baixinha, tradição herdada há três gerações, iniciada pela bisavó nordestina, nascida no Ceará, filha de português com mestiça de indígena e negro. Com mãe e avó paraenses de raízes nordestinas, Edicinamar traz no sangue o legado de um povo miscigenado. “Foram os primeiros cearenses a chegarem a Soure”.

Sem assegurar a origem desse saber – talvez um resultado híbrido de culturas indígenas, negras e até mesmo europeia – ela segue perpetuando essa arte e encantamento permeados de misticismo e ancestralidade que as “varinhas de condão” – como a avó as percebia – ofertam. “Tudo é fé”, a avó dizia. A mãe, Dona Nilda, não trabalha mais bordando mas permanece na coleta da valiosa matéria prima para a filha bordar. “Sempre faço o sinal da cruz antes de entrar no mato, eu peço licença quando vou no olho dágua”. E assim acreditam que, em gratidão, as varinhas sigam lhes trazendo sorte – nos negócios, no amor, de uma pessoa para a outra, transmitindo energia e retirando o mal. Não desistem. Insistem no desafio de salvaguardar esse tesouro acreditando que um dia o trabalho ganhe o mundo “Quem sabe um dia vai dar certo”.

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