Erivana Darc
“A arte é um desassossego singular — cada artista tem uma inspiração, uma forma única de fazer.”
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Sobre as criações
Desde os primeiros passos, ainda na adolescência, as criações de Erivana se destacaram pelo traço preciso e delicado, assim como pela escolha dos temas de seus álbuns — uma coleção de xilogravuras com temática específica. Muitas das obras atuais, em vez de angulares e arrestadas, se imiscuem aos fragmentos dos formatos orgânicos da umburana.
O processo criativo da artista tem início em um momento de pesquisa e imersão nos temas que deseja gravar. Em seu ateliê, as ideias são transpassadas às tábuas lixadas por meio da transferência do desenho com papel carbono.
“O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
Manoel de Barros,
É preciso transver o mundo.”
O livro das ignoRÃças, 1993

É durante o processo de corte da madeira, seguindo o contorno do desenho, que Erivana revela uma particularidade de sua técnica: ela utiliza o estilete. Cerca de 80% do trabalho é feito com estilete, e apenas 20% com goiva — esta última usada apenas em áreas que exigem a retirada de maior volume de madeira.
Esse método garante um traço e um resultado mais delicado, embora torne o processo mais demorado. Ela lembra que aprendeu a usar o estilete em seu primeiro curso com o mestre Abraão, que, naquele dia, levou apenas a madeira e o estilete. O uso da goiva pode aumentar a produtividade, entretanto Erivana afirma não se importar com o tempo: “eu gosto de saber que estou colocando sentimento, de pensar que alguém vai ver e vai gostar”.
O mestre Abraão Batista foi quem apresentou e transmitiu, inicialmente, o saber-fazer da xilogravura a Erivana. Não obstante, imediatamente ela imergiu na reconhecidamente rica cultura xilográfica do Cariri cearense, frequentando espaços de circulação de ideias e práticas, como a Gráfica Lira Nordestina — importante no campo desde meados do século XX — e passando a conviver com artistas como Cosmo Braz, Antônio Celestino, José Lourenço Gonzaga, Airton Laurindo, Stênio Diniz, entre outros.
A cultura do Cariri é tema central das obras da artista. Para ela, o valor cultural dessa arte está justamente na possibilidade de transmissão de vivências, dores e amores — a transmissão de fatos de seus ancestrais. Por esse motivo, retrata elementos que são “de lá”: as tradições, como a mulher de chita florida, o sertanejo, o cacto, os personagens do reisado — todos elementos importantíssimos da região, sempre presentes em sua obra.
Essa transmissão gera valorização por meio do registro das experiências: o que vivem, o que passam, o que almejam. O registro da cultura possibilita a vizibilização dos artistas, dos indivíduos e da região em outros estados e países. Para Erivana, o entalhe e a impressão da história são formas de transmitir cultura no presente — e para as próximas gerações.
Neste longo percurso, foi marcante, para ela, tanto seu primeiro trabalho com a xilogravura — por ter conseguido ajudar sua família com o primeiro salário — quanto o retorno à técnica, a partir de 2022, com o lançamento de seu livro. Para a arte do livro, ela chamou colegas para participarem do projeto: convidou todos os xilogravadores que conhecia e, segundo ela, “voltou para o grupo com força”. A proposta era que cada uma das 13 histórias de mães fosse acompanhada por uma xilogravura; ela mesma fez duas delas e convidou 11 artistas. O ponto mais importante, segundo conta, foi o aceite do mestre Abraão Batista, que afirmou: “é um prazer estar em uma obra sua”.
A descoberta de que tem um dom foi, para ela, o maior benefício que a xilogravura lhe trouxe. Chegou a engavetá-lo por um breve período, mas conta que, sempre que via uma xilogravura ou uma obra sua, “o desejo brilhava dentro (dela)”.
Erivana compartilha os planos para um projeto que deseja realizar em um futuro próximo: uma obra intitulada Janelas. A proposta parte da ideia de representar diferentes contextos sociais observados por meio das janelas de um prédio. Cada janela contará uma história distinta — haverá a janela de uma família de retirantes, a de artesãs, e outra que remete à terra do Horto. Outras ainda estão sendo elaboradas.
Sobre quem cria
“Se a xilogravura me abraçou, naquele momento eu tive a certeza de que ela tinha vindo para ficar em mim.”
Em sentido inverso, a reflexão que Erivana faz de seus 30 anos junto à xilogravura é: “Hoje me sinto visível.” Como uma artista mulher que iniciou sua carreira ainda na adolescência, a questão de gênero a atravessou de forma deletéria muitas vezes. Não obstante, isso nunca a afastou definitivamente da arte, nem interferiu em sua visão apaixonada pelo processo criativo e pelo trabalho coletivo. Para ela, “a arte é um desassossego singular — cada artista tem uma inspiração, uma forma única de fazer.”
Erivana é mestra em Biblioteconomia pela UFCA, palestrante, escritora, produtora cultural e xilogravadora. Nascida em 1974, conta que sua família não tinha nenhuma relação com a xilogravura. Segundo ela, seus pais são os típicos retirantes nordestinos: com dois anos de casados, migraram para o Mato Grosso do Sul, onde ela nasceu; quando ela tinha dois anos, retornaram ao Ceará. Veio de uma família de agricultores.
No entanto, ao viver em Juazeiro do Norte, Erivana foi atravessada pela cultura da xilogravura presente na região do Cariri. Na infância, lembra que gostava de desenhar. Na adolescência, não se recorda ao certo como conheceu o curso de xilogravura, nem o que a motivou a participar. Mas lembra vividamente dos efeitos dessa experiência: em 1994, fez um curso de óleo sobre tela, oferecido gratuitamente por um projeto social. Em 1996, ainda no ensino médio, fez um curso com o mestre Abraão Batista. Foram cinco dias de aula. O mestre logo percebeu seu talento e a incentivou: “Você leva jeito, continue.” No último dia, ele levou estiletes e tábuas de umburana para um desafio de xilogravura. Foi a primeira vez que Erivana criou uma obra: um cartão de Natal, com o título Mar e Pássaros, feito para presentear colegas. Ela ainda possui essa peça, que hoje integra a exposição Umburana: Consagração das Mestras, no Centro Cultural do Cariri.


Abraão também levou a turma para imprimir os trabalhos na Gráfica Lira Nordestina. Foi ali que Erivana conheceu alguns dos principais artistas do campo da xilogravura em Juazeiro. Após o curso, passou a frequentar a Lira — espaço que até hoje é ponto de encontro dos xilogravadores da região. Os artistas logo perceberam seu potencial. Foi nessa época que ocorreu um episódio decisivo para sua trajetória: o professor Gilmar de Carvalho, à época doutorando, estava desenvolvendo ações para incentivar os poucos artistas da região. Ao conhecer o trabalho de Erivana — seu traço definido, apesar da pouca idade —, identificou de imediato a marca da questão de gênero no campo da xilogravura: por muito tempo, ela foi a única mulher a frequentar aquele ambiente.
Gilmar encomendou uma peça publicitária a Erivana — para ela, um grande desafio. Tratava-se de uma campanha para o turismo de Fortaleza: uma matriz em A4, na qual gravou aviões, e três matrizes 3×10, nas quais retratou barcos, hotéis, pássaros. Na época, Erivana nunca havia viajado de avião. O pagamento foi um valor expressivo, que permitiu a seus pais comprarem uma feira que durou três meses. “Se a xilogravura me abraçou, naquele momento eu tive a certeza de que ela tinha vindo para ficar em mim.”
Gilmar continuou a encomendar trabalhos enquanto viveu. Seu primeiro álbum foi realizado ainda no ensino médio. Ela estava interessada na história do Caldeirão, comunidade agrocomunitária formada nos anos 1920, cuja organização bem-sucedida incomodou os coronéis da época, resultando em sua violenta destruição em 1937 — episódio conhecido como o Massacre do Caldeirão. Gilmar lhe deu um livro sobre o tema, forneceu as madeiras e, com o álbum pronto, o expôs no Brasil e no exterior. A partir desse trabalho, vieram muitas outras encomendas.
No entanto, os desafios impostos pela questão de gênero a atravessaram intensamente. Havia dificuldade para conseguir trabalhos que não fossem diretamente encomendados. Além de ser mulher, era jovem. O que a inviabilizou muitas vezes. Por isso, afastou-se da xilogravura e buscou outras formas de sustento.
Todos os outros investimentos profissionais que realizou — como biblioteconomista, mestra, pesquisadora, concursada, produtora cultural e escritora — derivaram desse afastamento. No entanto, nunca foi uma ruptura total. Todos esses caminhos foram atravessados pela xilogravura, à qual ela seguia conectada, mesmo que de forma pontual, como pesquisadora e artista. “São 30 anos de xilogravura”, afirma.
O retorno definitivo aconteceu com o lançamento de seu livro A mãe… sou eu! Janelas de vidas em transformação?, publicado em 2023 pela Editora MEPE. A obra registra 13 “relatos de mães comuns que enfrentam desafios gigantes em busca da qualidade de vida dos filhos, que lutam por justiça, que anseiam solidariedade, empatia, amor, acolhimento e outros sentimentos.”
Neste processo, Erivana convidou um grupo de xilogravadores para fazer as artes do livro. Outro desdobramento frutífero foi o convite para integrar o grupo Matriz Grafias Feministas, do qual fazem parte mais de 30 mulheres. No grupo, Erivana é reconhecida como mestra.
Atualmente, está em diálogo com professores e outros xilogravadores, pois pretende iniciar em breve um doutorado, cujo tema central será a xilogravura.
Sobre o território
Território onde arte, fé e resistência se entrelaçam, Juazeiro do Norte está localizada no Cariri cearense. Fundada sobre a mística de um milagre, a cidade recebeu o nome de Juazeiro, árvore frutífera da vegetação predominante na região. Antes da chegada de Padre Cícero, em 1872, era um povoado pertencente ao Crato. O local ganhou relevância política ao ter legiões de fiéis peregrinos que lá chegavam após tomarem conhecimento do suposto milagre ocorrido em 1889, quando a hóstia ministrada à beata Maria de Araújo transformou-se em sangue através das mãos do padre.
Não obstante, Juazeiro é terra de criação em sentido polissêmico, polo econômico, polo educacional e, reconhecidamente, um importante polo de artesanato. Entre ateliers e feiras, o artesanato floresce como forma de expressão e representação. Por meio dos trançados, cordéis, xilogravuras, esculturas e candeeiros, as mãos dos artesãos locais produzem objetos que imiscuem a suas trajetórias e a história de seu território.


























