A Rede Artesol - Artesanato do Brasil é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Cunha – São Paulo


CunhaSP

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Rua Zenaide F T Leite, 1-223, CEP 12530-000, Cunha – SP

Foto: Isabel Franke.

O Território

O município de Cunha está localizado a 230 km de São Paulo, região leste do estado, no Vale do Paraíba. Inserido em uma área de planaltos e serras, está em uma região também conhecida como Mar de Serras. As altitudes e a relativa proximidade com o litoral fazem o clima de Cunha variar entre temperaturas abaixo de zero no inverno e máxima de 25˚ graus no verão. Aninhada entre as serras da Quebra-Cangalha, da Bocaina e do Mar, a cidade é permeada por rios e cachoeiras e marcada pelo clima oceânico, fazendo fronteira ao sul com Ubatuba e Paraty.

O município fez parte da rota de produção de ouro que vinha de Minas Gerais, mas com a decadência da mineração precisou transformar a lógica econômica da região e caminhou em direção a produção cerâmica, a princípio seguindo tradições indígenas e posteriormente unindo-se às japonesas.

O município conta com uma vasta programação de turismo rural e cultural, que passeia entre Parque Florestal (remanescente de Mata Atlântica), lavandários, trilhas, cachoeiras e ateliês de cerâmica, sendo esse ofício um dos maiores atrativos da cidade.

Foto: Isabel Franke.

Como nasce um polo criativo?

Cunha, antes da colonização, era habitada pelos povos Tapuias e posteriormente pelos Tupis que já produziam cerâmicas na região. Durante a crise e decadência do ouro houve a ascensão da cultura cerâmica na cidade, com as mulheres conhecidas como paneleiras. Elas faziam peças utilitárias e decorativas com argila, técnicas e queimas tradicionais da América Latina.  A ceramista Benedita Olímpia (Dona Dita) foi a última das paneleiras de Cunha, aprendeu o ofício com sua avó, aos 15 anos, e só parou quando o corpo não permitiu mais. Dona Dita foi mestra de importantes ceramistas da região e acompanhou o desenvolvimento e crescimento de muitos deles, passando seus saberes adiante. Algumas entrevistas a mostram com 93 anos ainda trabalhando com o barro, que era levado para sua casa por amigos ceramistas.

Em 1975, com a chegada de alguns artistas do Japão, Portugal e Minas Gerais, o município fez a concessão do antigo matadouro da cidade para que se criasse o primeiro forno noborigama, um tipo de forno para queimas de alta temperatura que possui várias câmaras que se aquecem entre si, possibilitando queimar várias peças de uma vez só. Dentre os artistas que chegaram em Cunha, é importante destacar Alberto Cidraes. Arquiteto, formado em Portugal, foi viver no Japão através de uma pós-graduação e se encantou pela cerâmica, a partir dessa experiência surgiu o desejo de vir para o Brasil e montar um ateliê de cerâmica com a técnica de queima japonesa. Convidou um casal de amigos japoneses e em 1975 chegaram em Cunha com apoio da prefeitura para concretizar o projeto.

A partir desse momento, a estética das peças ganha uma nova influência, com uso de esmaltes, técnicas orientais de resfriamento pós queima conhecida como raku, uso de pincel japonês e até criações de instrumentos percussivos.  Apesar das influências estéticas e da utilização da técnica de queima noborigama, Alberto em entrevista para um canal de TV ressalta:

“Não existe A cerâmica de Cunha, existe Cunha e seus inúmeros ateliês de cerâmicas, com inúmeros estilos. Cada ateliê tem sua estética”.

ALberto cidraes

Foto: Rosane Tur.

Como se mantém um processo criativo?

Uma tradição se mantém através da perpetuação dos saberes, valorização e entendimento dos processos por parte de quem aprecia e com apoio de instituições e do Estado. Em Cunha, o ICCC (Instituto Cultural da Cerâmica de Cunha) tem papel importante nessa perpetuação de saberes, realizando cursos, oficinas e conversas para quem tenha interesse em praticar o ofício de ceramista e entender a história ancestral da cerâmica na humanidade.

Ainda mais importantes são os mestres e artesãos que se propõem a compartilhar seus conhecimentos, abrindo seus ateliês para visitas, aulas e venda de peças únicas. Na cidade acontece o Festival de Cerâmica de Cunha, evento que conta com vasta programação dentro dos ateliês e em espaços públicos e onde se realizam as aberturas de fornos.  Esse momento marca a tradição da cerâmica em Cunha, pois, na queima noborigama, o resultado é uma grande surpresa.

A capacidade dos fornos é alta, comparada aos fornos tradicionalmente usados. Por possuírem muitas câmaras de queima, alguns ateliês conseguem queimar 2000 peças em uma única fornada, o que explica a tradição de celebrar e apreciar as aberturas dos fornos.

Durante o evento, os mestres explicam todo o processo da cerâmica: procedência da argila, modelagem, biscoito, esmaltação, composições minerais, entre tantas outras sutilezas e ciências contidas no processo de transformar argila em cerâmica. Gilberto Jardineiro, um dos ceramistas mais importantes da região, comenta que o evento começou a acontecer quando percebeu a importância dos clientes entenderem o processo envolvido.

Suenaga e Jardineiro, de um dos ateliês mais importantes da região, tinham clientes em Paraty, São Paulo e outras cidades próximas e costumavam deixar as peças em algumas lojas que revendiam seus produtos, até perceber que seus clientes pagavam mais caro comprando na mão do revendedor e não sabiam nada do processo criativo da peça. Passaram a convidar amigos e começaram a ritualizar a abertura de fornos fazendo uma espécie de vernissage no ateliê. As pessoas gostaram e o evento se tornou uma forma de explicar todo o processo da cerâmica e da queima noborigama, gerando ainda mais interesse nas peças.

A região de Cunha é abundante em argila, matéria prima fundamental para o ofício dos ceramistas. Sobre essa variedade, Jardineiro explica que esse é o diferencial da cerâmica da região:

“Cada ceramista prepara sua argila de forma diferente, não existe uma lavra de argila onde todos usam a mesma argila”.

Cada artesão busca sua própria argila na região mais adequada para o tipo de queima e peça a ser produzida, afastando ainda mais a ideia de uma cerâmica com estética unificada. Atualmente são mais de 20 ateliês e inúmeros ceramistas que ocupam esses espaços de criação através da terra e do fogo.

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