A Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Tracunhaém – Pernambuco


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CEP 55805-000, Tracunhaém – PE

O Território

Tracunhaém, vem do tupi-guarani e significa “panela de formiga” ou “formigueiro”. Na raiz do nome, a cultura local.

A cidade de Tracunhaém está localizada na Zona da Mata Sul de Pernambuco, a 60 km de distância do Recife e é uma das principais produtoras de panelas de barro do nordeste brasileiro. Esses dados trazem consigo tradição, memória histórica e gustativa. A etnoarqueologia mostra que o contato com a cerâmica vem da cultura ameríndia e algumas técnicas como o “acordelado” são utilizadas até hoje na feitura de jarras.

Como nasce um polo criativo?

Olaria em TracunhaémPE/Crédito da foto: Laís Domingues.

Processos de produção e obras produzidas em Tracunhaém-PE/ Crédito das fotos: 1. Laís Domingues / 2. Obras de Mano do Baé na FENEARTE, foto de Arthur Motta/ 3. Obras de Mano do Baé na FENEARTE, foto de Arthur Motta/ 4. Laís Domingues.

A “cultura do barro” iniciada na época pré-colombina foi desenvolvida também na olaria colonial, que trouxe técnicas ibéricas de modelagem, como o uso do torno, por exemplo. Nos tempos da colonização a população escravizada produzia telhas para os muitos engenhos da região canavieira, feitas à mão e moldadas na coxa. Nesses tempos, a grande produção era meramente utilitária, tendo como foco telhas, panelas e utensílios domésticos, sendo esse um dos motivos para relacionar o barro a memória gustativa nordestina. A comida feita na panela de barro traz consigo tradições, memórias, gosto e a ressignificação do tempo, mais lento e saboroso.

Alguns relatos contam que foi através da ludicidade infantil que a cerâmica figurativa começou a surgir na região, através da brincadeira despretensiosa dos filhos de oleiros e paneleiras, pois criavam bonecos e figuras com o resto de barro das produções utilitárias.

Por volta do século XX, um grupo de artesãos começou a ganhar destaque com a produção de animais, como bois e cavalos, vendidos na feira da cidade. Com o passar dos tempos, foi ganhando novas formas e dimensões, inaugurando a tradição escultórica em Tracunhaém através das imagens de santo e outras figuras do imaginário da cultura popular. Segundo Vanessa Lopo Bezerra (2018):


“Este primeiro grupo do figurativo, formado pela família Vieira, Antônia Leão e Severina Batista, desenvolveu um figurado religioso, criando imagens de santos de barro, como São Francisco, Padre Cícero, Nossa Senhora da Conceição, Santa Luzia e muitos outros. O trabalho desses artesãos foi fundamental para mudar o curso da história em Tracunhaém, pois eles despertaram o interesse e a curiosidade nos outros, que também criaram uma linguagem figurativa no barro”.

Como se mantém um polo criativo?

Trabalho em olaria em Tracunhaém – PE/ Crédito das fotos: 1 a 4. Laís Domingues.

O mesmo barro que constrói casa também é ofício na cidade. O processo de feitura contém muitas etapas: coleta da matéria-prima, tratamento da pasta, catação, modelagem, secagem, acabamento, queima e pintura. Juntas e responsáveis por essa cadeia operatória, muitas mãos, rostos e histórias perpetuam a tradição afro-ameríndia da região. Segundo o pesquisador Juliano Leal, cerca de 300 pessoas, no ano de 2016, faziam parte dessa rede que inclui ainda a comercialização dessas peças.

Atualmente, mestres reconhecidos como Mano de Baé, Luiz Gonzaga, Zuza, Wandecok e tantos outros artesãos, por vezes anônimos, perpetuam essa tradição ancestral que vem de antes do nascimento de Tracunhaém enquanto município. Na região é comum encontrar ateliês de peças utilitárias, imagens sacras e personagens da cultura e imaginário popular. Mano de Baé, por exemplo, cria suas peças seguindo a tradição do pai, Mestre Baé, mas trazendo características particulares e temas importantes como relações homoafetivas e negritude.

Tracunhaém é considerada a capital da cerâmica e acolhe Patrimônios Vivos como Zezinho de Tracunhaém, que ganhou o título do Governo do Estado de Pernambuco desde 2007. Na cidade, além dos inúmeros ateliês, também se encontra o Centro de Comercialização e Produção Artesanal de Cerâmica, espaço municipal que concentra produções de diversos artesãos e artesãs da região colaborando no processo de vendas e apresentações dos trabalhos.

Na cidade da “panela de formiga”, o contato com o barro e com o fogo transforma imaginação em cerâmica, matéria capaz de deixar memórias milenares.

“Trapuá a serra, trapuá da terra

Trapuá do barro, trapuá do jarro

Trapuá do ingein, trapuá de tracunhaém

Do povo que pega, modela domina

O barro transforma, adorna destina

A tinta vermelha, a formiga a panela

A lenha no forno, o contorno pincela

Quartinha, tigela o oleiro calcina”.

(Trapuá – Ticuqueiros)

No território, é notório o interesse no compartilhamento de saberes. Em Tracunhaém, os artesãos, apesar de serem unidos pela mesma linguagem e tipologia, divergem no caminho estético das peças. Cada mestre guarda em seu processo uma identidade própria, conquistada com anos de amadurecimento e prática, trazendo para o município uma diversidade difícil de ser encontrada em outros polos. É no movimento e na fluidez de cada processo criativo que Tracunhaém se mantém enquanto polo e berço de tantos mestres.

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