A Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Mano de Baé


Evilásio Leão Machado, filho do Mestre Baé, se apropriou da herança de seu pai e os remodelou. Mano de Baé, carrega e expressa em seus trabalhos as heranças afro-ameríndias da região com um toque de poesia.

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Contato Evilásio Leão Machado – Mano de Baé
Tracunhaém – PE

Sobre as criações

Crédito da foto: Arthur Mota

Filho de Mestre Baé, um dos símbolos do figurativo em Tracunhaém/PE, Mano de Baé lembra da época em que sentava no chão junto aos irmãos e acompanhava o pai no processo de ocagem das peças. Assim teve seu primeiro contato com o barro, observando atentamente o movimento das mãos de Baé modelando, fazendo acabamento e levando as peças para queima no forno a lenha.

As mãos já afeiçoadas à matéria-prima começaram a criar animais, bonecos, a partir das vivências cotidianas e das referências que muitas vezes vinham do quintal de casa. Segundo Mano de Baé:

 “Aqui ou a gente faz barro ou faz poesia”.

Mano de Baé cresceu acompanhando o pai, que além de Mestre Artesão, tocava banjo e violão. Tocava samba, forró e coco. As influências artísticas do pai levaram Mano a experimentar várias linguagens artísticas, entre elas o teatro e o samba de coco. Junto aos irmãos manteve uma sambada de coco por muitos anos no município de Tracunhaém.

Com o AVC de Mestre Baé, fez-se necessário ajudantes, pois a coordenação do mestre já não era a mesma. Família e aprendizes modelavam o barro sob os comandos de Baé.

Sobre quem cria

Crédito da foto: Fred Jordão

Mano que passeava entre várias linguagens artísticas, iniciou sua busca por traços que fizessem referências ao trabalho do seu pai, mas que também tivessem uma faceta própria. Entre estudos e experimentos, um dia, acidentalmente, Mano achatou a cabeça de uma sereia. Um cliente viu e gostou. Ele percebeu naquele acidente uma identidade a ser desenvolvida.

Oscilando entre pausas e tempos mais intensos de dedicação ao barro, foi em 2014, no início de um namoro que resultou em casamento, que Mano de Baé decidiu ter a cerâmica como ofício. Sua atual esposa, Angélica Leão, ficou curiosa e pediu que Mano mostrasse um pouco dos processos e do seu trabalho com o barro, fez algumas peças e rapidamente conseguiu vender percebendo o interesse das pessoas pelo seu trabalho. Desde então decidiu se dedicar ao ofício de artesão.

Mano abriu espaço para a ludicidade do seu imaginário, transformando algumas obras tradicionais do seu pai, como o “casal passeando”, e trazendo para o centro do trabalho discussões de gênero e orientação sexual, com casais que fogem da heteronormatividade. Também toca questões raciais com a série “Orixás” e com as “Sereias” que fazem referência a Iemanjá e Oxum, por exemplo.

Mais tarde, Mano de Baé se surpreenderia ao descobrir que seu pai também já tinha feito representações de sereias e orixás. Descobriu através de pesquisadores e colecionadores que entraram em contato com ele, anos após o falecimento de Baé, enviando algumas fotos das peças nunca antes vistas pelo filho.

Em 2015 participou da primeira FENEARTE, entrou em contato com instituições como SEBRAE, Governo do Estado de Pernambuco e criou uma rede de clientes importantes para a continuidade do seu trabalho.

Em 2019 foi contemplado pelo Governo do Estado com um espaço na Alameda dos Mestres. Segundo Mano, a alegria foi tanta que ligaram para ele algumas vezes tentando entender se ele estava feliz com a notícia, pois ele não conseguia falar e acreditar no convite recebido.

“Primeiro queria que vissem meu trabalho, não só ser reconhecido pelo trabalho do meu pai”.

Sobre o território

Nascido em Tracunhaém, a 48 km de Recife, Zona da Mata Norte pernambucana, Mano de Baé, carrega e expressa em seus trabalhos as heranças afro-ameríndias da região. Tracunhaém, que quer dizer ”panela de formigas” em tupi-guarani, tem solo argiloso e há séculos mantém a tradição do trabalho com o barro.

A princípio, as comunidades indígenas produziam pratos, copos, panelas e cachimbos. Com a colonização e a ocupação das terras pelos canaviais, as olarias também passaram a produzir telhas para engenhos açucareiros e seus donos.

Ainda hoje a tradição das olarias se mantém na cidade, que tem aproximadamente 14 mil habitantes e é uma das principais atividades econômicas, junto à cultura da cana-de-açúcar.

Na paisagem local, com clima úmido, prevalecem as serras e canaviais, que inspiraram poetas como João Cabral de Melo Neto, nascido em Recife, mas criado na Zona da Mata. Ele escreve em seu poema Alto do Trapuá:

“Já fostes algum dia espiar
do alto do Engenho Trapuá?
Fica na estrada de Nazaré, antes de Tracunhaém.
Por um caminho à direita se vai ter a uma igreja
que tem um mirante que está bem acima
dos ombros das chãs.
Com as lentes que verão instala
no ar da região muito se pode divisar
do alto do Engenho Trapuá.
Se se olha para o oeste, onde começa o Agreste,
se vê o algodão que exorbita sua cabeleira encardida,
Se se olha para o nascente, se vê flora diferente.
Só canaviais e suas crinas, e as canas longilíneas
de cores claras e ácidas, femininas, aristocráticas…”

Com a colonização também surgiram os Mestres Santeiros e, junto com eles, a criação de imagens figurativas. Alguns dizem que essa tradição teve início a partir de brincadeiras infantis dos filhos dos artesãos, que modelavam animais e personagens.

Mano de Baé, atualmente vive em Limoeiro, cidade próxima, mas mantém seu ateliê em Tracunhaém, onde trabalha de segunda a sábado. Lá facilita oficinas, recebe alunos de escolas públicas e clientes interessados em seu trabalho e processo criativo. Entre suas pesquisas, desenvolveu junto ao irmão um forno a gás de cozinha. É o primeiro artesão de Tracunhaém a sair da queima à lenha. Segundo ele o tempo de queima é menor, as peças quebram menos e eles conseguem ter mais controle, inclusive da cor.

A matéria-prima, que antes era extraída da própria cidade, agora vem do Cabo de Santo Agostinho, Cupiúba e Goiana. O barro que antes era preto, agora é branco, mas a técnica se mantém.

“A técnica que uso é a mesma do meu pai. Pego o barro, faço o bojo, quadrado ou cilíndrico, vou modelando, dando rosto, peito, etc. Parto ao meio, para fazer a ocagem. Depois emendo, faço o acabamento, assino, espero secar e levo para o forno”.

As ferramentas utilizadas nascem da necessidade percebida para criar texturas, fazer acabamentos e são recicladas de objetos descartados.

“Haste de sombrinha, raio de bicicleta, pedaço de plástico, um garfo, um arame…vou buscando na rua, caminhando e encontrando. É feito Manoel de Barros diz: É preciso transver o mundo”.

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