A Rede Artesol - Artesanato do Brasil é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Dorinha


Maria das Dores Ramos a Silva é reconhecida Mestra artesã na Renda Renascença, nacional e internacionalmente reconhecida. Nascida em Ramada, município de Boqueirão, Paraíba, Dorinha tece seu legado na renda há mais de meio século.

Mostrar contatos

AbrirFechar
Rua Papa João XXIII, n.915, Liberdade, CEP 58414-300, Campina Grande – PB

A Artesol não intermedeia relações estabelecidas por meio desta plataforma, sendo de exclusiva responsabilidade dos envolvidos o atendimento da legislação aplicável à defesa do consumidor.

Sobre as criações

Um a um, minuciosos pontos tecem vagarosamente uma renda cuja preciosidade e precisão deslumbram qualquer observador mais atento. A renascença é uma técnica em que a renda é construída a partir do alinhavo do lacê (espécie de fita) sobre um suporte, onde o desenho que foi “riscado” é fixado. Com agulha e linha fina, um a um, nó a nó, os espaços entre os lacês vão se preenchendo. É esse fitilho, que a difere das demais rendas, que serve de base para os pontos e norteia os contornos dos desenhos, acompanhando o risco e deixando livre os espaços que serão preenchidos pelos pontos.

Feito o ponto alinhavo, segue-se uma infinidade de outros: xerém, vassourinha, cianinha, um dentro, malha, laço de amor, caramujo, corrente, abacaxi de torre, traça, ponto cheio e muitos outros criados. “Uma criava e mostrava a outra e essa já queria fazer diferente”. O desenho, ou risco, é feito com linhas duplas e paralelas, originalmente em papel de seda ou manteiga e com lápis azul. Todo a mão livre, é realizado por poucas artesãs – mais experientes. Inventoras de formas livres. Desenhos de seus imaginários, às vezes simétricos, mas sempre precisos.

Detalhe de vestido vermelho em renda renascença. Crédito: divulgação

Sobre quem cria

Sempre muito curiosa, Maria das Dores Ramos da Silva começou a ganhar intimidade com a renda em 1965, aos 6 anos de idade. Ofício adquirido com a vizinha Luzinete e também com o pai, próximo ao tempo de seu falecimento, quando passou a ajudar a mãe na criação dos outros quatro irmãos. Mais velha, começou a fazer renda para ajudar com as despesas da casa. Mas moravam em um sítio e a dificuldade em vender era grande.

Casou-se aos 15 anos e foi para Brasília. Lá morava em um barraco alugado onde a dona (e vizinha) levava suas peças para vender em residências do Plano Piloto. “Ela conhecia muitas senhoras ricas”. Dorinha nunca teve a oportunidade de conhecer as clientes mas sabia que o preço de venda de suas peças seguramente não era equivalente ao valor que recebia.

Em 1974, grávida da primeira filha, Dorinha voltou para casa, para a Paraíba, para o sítio em Ramada, Boqueirão. Lá, seguiu fazendo renda, mas vendia fora: em Campina Grande. As vendas aumentaram, as encomendas também. A necessidade de encontrar outras rendeiras para ajudá-la com os pedidos que recebia, a levou a fundar a Associação de Desenvolvimento Comunitário das Artesãos de São Sebastião do Umbuzeiro. Não demorou para se tornar uma líder e referência para toda uma comunidade. Depois para o mundo.

Dorinha exporta para Portugal, Itália e Espanha. Desenvolveu trabalhos junto aos estilistas Ronaldo Fraga e Isabela Capeto, ministrou palestras, cursos e oficinas. Em 2012 participou do projeto Mulher Artesã Brasileira, realizado através de uma parceria entre Centro Cape, Sebrae e Banco do Brasil. Foram selecionadas 15 mulheres brasileiras para expor seus trabalhos na sede da ONU em Nova York, um marco que foi registrado em livro com a história de cada uma dessas 15 mulheres. Em 2014 ela foi convidada pela Artesol para expor em um festival no Catar durante uma semana. 2017 foi o ano em que foi convidada pelo Itamaraty para representar o Brasil na Índia em um encontro dos BRICS. Mas tudo isso seria insuficiente sem o reconhecimento pelo governo do estado da Paraíba, em 2019, consagrando-a com o título de Mestra em Renda Renascença.

Dorinha produzindo. Crédito: divulgação

“A renda promoveu mudanças muito
grandes em minha vida, e das pessoas ao meu redor. Ajudou muito na nossa renda financeira.
Com ela consegui formar os meus filhos.”

Dorinha

Sobre o território

De origem italiana, mais especificamente da região de Veneza, a Renda Renascença foi assim batizada dado o momento histórico de seu surgimento, o Renascimento, época de sua maior difusão. Trazida ao Brasil pelos portugueses, era ensinada em conventos, colégios internos e por damas da sociedade, inicialmente em Olinda, Pernambuco. Na década de 1930 a rendeira Maria Pastora, em visita a “Vila de Poção” – que ainda pertencia a Pesqueira, trouxe à Paraíba a Renda Renascença. Com ela, também veio a chegada da luz elétrica.

Tradição aos sábados, quando acontecia a feira livre, as rendeiras passaram a aproveitar o movimento intenso para vender suas peças. Mais tarde, o encerramento da feira foi um marco, fato recebido com muito pesar e que causou a queda das vendas e o desinteresse das mais novas em dar continuidade ao ofício, dando vazão a precarização da mão-de-obra. Retiraram o poder das rendeiras comercializarem seus trabalhos que agora dependem de migalhas das fábricas na entrada da cidade.

“Hoje a comercialização de Renda Renascença quase não existe mais. O povo todinho de fora ia comprar lá em Poção dia de sábado. Acabou-se não tem mais.”

Em 2013 a Renda Renascença recebeu o selo de Identificação Geográfica do Cariri Paraibano através do Instituto Nacional de propriedade Industrial (INPI). É um certificado que atesta a procedência regional e a qualidade do produto. Ao delimitar a área de produção e restringir o uso aos produtores da região impede que outras pessoas utilizem indevidamente o nome da região em produtos ou serviços. O registro conferido enumera as cidades que integram a delimitação geográfica que podem receber o selo: Congo, Prata, Sumé, Monteiro, Zabelê, Camalaú, São Sebastião do Umbuzeiro e São João do Tigre.

Nascida em Ramada, município de Boqueirão, Paraíba, Dorinha tece seu legado na renda há mais de meio século. Aos 62 anos, com a vista já comprometida pela catarata, e muitas dores, confessa que pretende continuar até quando aguentar.

“A renda promoveu mudanças muito grandes em minha vida, e das pessoas ao meu redor. Ajudou muito na nossa renda financeira. Com ela consegui formar os meus filhos.”

Crédito das fotos: divulgação

Membros relacionados