Eliene da Silva 


Do trançado de Eliene são elaboradas peças delicadas, de cores luminosas, em pontos precisos que refletem uma rica herança simbólica incorporada na infância. A transmissão das mulheres da família carregou a consciência do valor da cultura do Cariri, da justiça social e do trabalho coletivo.

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Horto, Juazeiro do Norte – CE

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Sobre as criações

O trançado é a técnica de entrelaçamento de fibras naturais. Eliene utiliza essencialmente a palha de milho para a produção de objetos decorativos, como cestos, bolsas, carteiras e artigos para mesa posta. Ela tem se dedicado às técnicas de tingimento, trazendo conhecimento técnico e acadêmico para alargar a produção. O desenvolvimento de novos produtos, cada vez mais delicados, é outra paixão. As criações incorporam elementos da identidade local, como o colorido, o reisado, as representações das danças tradicionais, imagens do Padre Cícero, além do preto e branco das roupas usadas nas promessas. Para ela, no artesanato, a história é talhada na madeira e trançada nas palhas.  

A matéria-prima primordial é a palha de milho, coletada diretamente nas plantações. Para que a palha possa ser utilizada no trançado, é necessário deixá-la secar na roça após a colheita do milho. Além disso, é preciso fazer uma seleção cuidadosa da entrepalha. Alguns desafios têm se colocado: a diminuição da plantação de milhos crioulo, as mudanças climáticas e o foco crescente na produtividade têm dificultado o acesso à matéria-prima. Para a produção, são muitas as etapas, a coleta, a seleção, a soltura das fibras, a higienização e a pintura. Esta última é feita, em sua maioria, com pigmentos naturais, com plantas nativas, como o cajueiro. 

A história do trançado em Juazeiro do Norte e das criações de Eliene é indissociável da Associação da Mãe das Dores do Pe. Cícero, fundada em 1984 – pessoa jurídica de caráter cultural, histórico, artístico, socioeducativo e socioambiental, focada no artesanato e no fortalecimento e preservação da identidade cultural do Cariri cearense. São mais de 40 anos de história, como afirma Eliene. O prédio é da época do Padre Cícero; ele o deixou para Nossa Senhora das Dores. Já serviu a outros projetos sociais, como a primeira escola de alfabetização para mulheres. Atualmente, o prédio está em processo de tombamento. 

A reconhecida artesã Tecla, mãe de Eliene, junto com outros artesãos que trabalhavam de modo informal, se organizou com as freiras da Congregação de Santo Agostinho. As oficinas de transmissão de artesanato em palha de milho foram uma das primeiras atividades e estabeleceram o que veio a se tornar um pilar da associação: a troca de saberes de modo gratuito. Foi nesse contexto que Eliene, ainda na infância, realmente aprendeu o trançado em palha de milho. 

Antes da legalização e formalização da associação, os atravessadores eram os responsáveis por definir, de maneira arbitrária, o preço pago aos artesãos. Com a formalização, a associação passou a ter meios de estabelecer valores mais justos. 

Foto de divulgação Artesol

A primeira grande obra artesanal da associação foi a produção de cartões postais feitos com recortes de carnaúba, palha de bananeira e capim. Ainda que fosse pequena na época, Eliene chegou a participar do processo e a aprender. Os cartões eram exportados para a Holanda, em volumes significativos — cerca de 10 a 20 mil unidades por mês. Naquele período, a associação era frequentada por muitos jovens, que passavam meio período na escola e o outro meio participando de oficinas e atividades no espaço. Todas essas ações eram pautadas pela regra da transmissão gratuita do conhecimento. 

Por suas experiências, ela desenvolveu consciência sobre a importância e o valor do artesanato. Consegue perceber o quanto ele contribui para diminuir quadros de ansiedade e depressão. Afirma: “Falta diálogo, falta convívio, falta as pessoas conversarem. Hoje em dia, as pessoas só trabalham e consomem. Não existe mais relacionamento real.” O artesanato, por sua vez, carrega a qualidade oposta ao consumismo: é um fazer que exige tempo, presença e vínculo, pois não prescinde de um longo processo de produção. 

Destacou o quanto o trabalho em grupo é, por si só, um dos grandes benefícios do artesanato. Relembrou um professor da graduação que discutia o caráter anticapitalista do fazer coletivo — um antídoto contra o isolamento e a alienação. 

Sobre quem cria

Atualmente, a artesã é secretária da associação Mãe das Dores, e sua formação a capacita na elaboração e desenvolvimento de projetos sociais voltados à superação das vulnerabilidades de sua comunidade — sobretudo as relacionadas à fome e à falta de acesso à educação. Uma belíssima elaboração de marcas de sua trajetória. 

Para falar sobre sua história e como e quando começou sua relação com o artesanato, Eliene conta sobre os laços entre o fazer artesanal e sua família. O “saber ancestral” teve início com a bisavó, do lado paterno, uma mulher indígena que dominava a técnica do trançado com palha de carnaúba. Seu avô, Seu Cassimiro, também trabalhava com palha de bananeira, com cipó e era agricultor — produzia cestos e esteiras. Sua mãe, a artesã Tecla Cosmo da Silva, é natural de Pernambuco. Na mudança de Pernambuco para Juazeiro do Norte, Tecla levou consigo a técnica transmitida por sua família. Estabelecida na Rua do Horto, onde era comum o trabalho com palha de carnaúba e de milho, Eliene recorda que, naquela época, era hábito as pessoas saírem às calçadas à noite para produzir com as palhas. 

O trabalho, naquele momento, já era em certa medida coletivo, ainda que informal. Essa informalidade abria espaço para que comerciantes atravessadores desrespeitassem qualquer parâmetro de justiça quanto ao valor pago pelas peças. 

A longeva história da associação torna árdua a tarefa de resumir sua importância e os marcos que a compõem. Houve um momento de forte produção de bolsas e cartões postais. O intercâmbio com a Congregação de Freiras possibilitou diálogos com países como Bélgica, Holanda e França. Atualmente, os produtos mais vendidos são cestas, descansos de copo, bolsas e carteiras. Paralelamente, a associação mantém forte atuação em projetos sociais voltados à educação, com a oferta de bolsas de estudo para jovens da região. 

A Irmã Madelaine, de origem holandesa, desenvolveu uma relação particularmente próxima com Eliene e sua família. Das brincadeiras da infância, em que misturavam francês e português, à orientação que permitiu que Eliene se tornasse a primeira da família a ingressar na universidade — onde cursou Administração — e, posteriormente, realizasse mestrado em Gestão Pública. 

Há cerca de dez anos, a associação enfrentou um período de instabilidade. Foi então que Eliene redirecionou sua trajetória acadêmica e profissional para reassumir o cargo de secretária da entidade, com o objetivo de contribuir para sua reestruturação. 

Hoje, a associação segue ampliando suas ações sociais e educativas. Atua no apoio à escolarização e ao acesso ao ensino superior de jovens; oferece aulas de basquete e vôlei para estudantes de escolas públicas do bairro Rua do Horto, aos sábados — alguns deles já competem em nível estadual. Disponibiliza ainda 15 bolsas de estudo integrais, voltadas principalmente para moradores da Rua do Horto ou jovens de Juazeiro envolvidos em projetos sociais. Também promove aulas de flauta e violão em escolas públicas da região. 

Sobre o território

Território onde arte, fé e resistência se entrelaçam, Juazeiro do Norte está localizada no Cariri cearense. Fundada sobre a mística de um milagre, a cidade recebeu o nome de Juazeiro, árvore frutífera da vegetação predominante na região. Antes da chegada de Padre Cícero, em 1872, era um povoado pertencente ao Crato. O local ganhou relevância política ao ter legiões de fiéis peregrinos que lá chegavam após tomarem conhecimento do suposto milagre ocorrido em 1889, quando a hóstia ministrada à beata Maria de Araújo transformou-se em sangue através das mãos do padre.  

Não obstante, Juazeiro é terra de criação em sentido polissêmico, polo econômico, polo educacional e, reconhecidamente, um importante polo de artesanato. Entre ateliers e feiras, o artesanato floresce como forma de expressão e representação. Por meio dos trançados, cordéis, xilogravuras, esculturas e candeeiros, as mãos dos artesãos locais produzem objetos que imiscuem a suas trajetórias e a história de seu território.

Fotos de divulgação Artesol

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