A Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Família de dona Izabel Mendes da Cunha


As bonecas são a peça mais presente no fazer das duas gerações da família de dona Izabel. Além das bonecas, Amadeu e Maria Madalena fazem algumas peças utilitárias, todas de cerâmica pintadas com pigmentos naturais de origem mineral.

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Sobre as criações

“Através do barro você conta a história de uma família, você conta sonhos (no meu caso, meu sonho de ser mãe). Através de um material tão simples, como é o barro, a gente cria um universo de riqueza”.

Andreia Andrade

As bonecas são a peça mais presente no fazer das duas gerações da família de dona Izabel. Além das bonecas, Amadeu e Maria Madalena fazem algumas peças utilitárias, todas de cerâmica pintadas com pigmentos naturais de origem mineral. Maria Madalena também gosta de fazer flores e enfeitar os seus bules com elas. As cenas do cotidiano de quem vive no Vale do Jequitinhonha estão presentes na arte de toda família, como as lavadeiras, os lavradores, entre outras.

Alguns temas que dona Izabel fazia, Glória e os irmãos seguem fazendo, como a leitora, a florista, as noivas e as mães. Outros temas são novos, como a artesã, mostrando como fazem as peças, e a catadora de feijão que Glória criou.

As criações de Andreia trazem muito da sua relação com a maternidade e retratam a sua experiência familiar marcada pelo amor e pelo carinho que sempre sentiu. 

E atualmente, tem criado os meninos do pote. Inspirada nos potes e moringas que sua avó começou fazendo, e nas próprias bonecas que no começo eram moringas, Andreia pensou: “então, as bonecas nasceram dos potes”. E como ama retratar crianças e bebês, decidiu fazer “bebês que nascem dos potes”.

Sobre quem cria

O artesanato tradicional, de forma geral, possui uma característica muito especial: o conjunto do conhecimento da técnica, o modo de fazer, os valores envolvidos nesse fazer são passados, muitas vezes, dos pais para os filhos. Assim foi com a família de dona Izabel Mendes da Cunha (1924 – 2014), uma das mais importantes artistas populares da história brasileira.

Dona Izabel aprendeu com sua mãe, dona Vitalina Maria de Jesus, a arte do barro, passando depois a utilizar a técnica como linguagem expressiva, criando bonecas moldadas em tamanho natural, às quais dava vida com os pigmentos naturais tirados da argila. E passou esse conhecimento não apenas para a sua família, mas também para todas as pessoas da comunidade que quiseram aprender. A sua generosidade logo a fez ser reconhecida como mestre e receber diversos prêmios, como o Prêmio Unesco de Artesanato para a América Latina, em 2004, e o Prêmio Culturas Populares, em 2009.

Dona Izabel teve 4 filhos, Maria Madalena Mendes Braga, Amadeu Mendes Braga, Glória Maria Andrade e Rita de Cássia Mendes. Ela gostava de ter os filhos próximos a ela, por isso colocava perto de si uma esteira para que ficassem brincando, enquanto moldava o barro. Os filhos ficavam brincando na barra da saia da mãe, sendo apresentados desde crianças ao universo do barro. Assim, a partir dos 7 anos já começaram a fazer as suas próprias peças.

Glória Maria gostava de fazer peças para presépio e com o dinheiro comprava outros brinquedos e material escolar para ela e sua irmã mais nova Rita. Glória também acompanhava a mãe toda semana até a feira de Santana do Araçuaí para vender as peças utilitárias que fazia: potes, panelas, jarras, entre outras. Acordavam com o primeiro cantar do galo, caminhavam 11km até a BR Rio-Bahia, onde pegavam um caminhão que levava as pessoas até a feira. Dona Izabel levava as peças em um cesto em cima da cabeça e Glória também levava as peças menores sobre a cabeça.

“Foi difícil, mas foi muito bom. Não tinha medo de nada”, conta Glória.

Quando o trabalho da sua mãe foi valorizado, já não precisaram mais ir até a feira, o que lhes concedeu mais tempo para se aperfeiçoarem. Dona Izabel finalmente pôde se dedicar a fazer as bonecas que gostava de fazer, desde criança. 

Quando Glória conheceu seu esposo, João Andrade, dona Izabel disse que se quisessem casar era pra ficar por ali, porque não queria sua filha “nesse mundão”. Se casaram e João pediu a sogra que lhe ensinasse a mexer com o barro, sendo o primeiro homem a trabalhar com o barro em Santana. Glória e João tiveram 4 filhos e deles, apenas Andreia Andrade escolheu seguir com o ofício do barro. Andreia ainda pequena pedia ao pai para colocar suas peças no forno, e no outro dia ficava toda feliz ao ver as peças inteiras, queimadas. 

Dona Izabel sempre teve vontade de aprender a ler, escrever e estudar, sonho que não pôde realizar. Por isso, quando sua neta Andreia decidiu ir para Belo Horizonte estudar Artes Plásticas na UEMG – Universidade Estadual de Minas Gerais -, em 2004, foi uma grande alegria para a família. Para Andreia foi um desafio, uma vez que nunca tinha saído do Vale do Jequitinhonha. Entretanto a vontade de expandir os seus horizontes foi maior que o medo. Ela se sustentou com as vendas das suas peças e recebeu o apoio de pessoas amigas. Chegou a construir um forno na própria Universidade, a pedido do professor de cerâmica que viu na presença de Andreia a oportunidade de ampliar o conhecimento acadêmico que até aquele momento não incluía o saber tradicional brasileiro de queima de cerâmica no forno a lenha. Ao final do curso (2008), foi convidada a participar de uma exposição junto a outros artistas e depois a dar um curso de cerâmica em Portugal e Espanha, representando as artes do estado de Minas Gerais.

Andreia que sempre esteve determinada a viver junto de sua família, seguiu na capital mineira até 2012, quando decidiu voltar para o Vale. Ela voltou no tempo certo de ainda poder usufruir da convivência com sua avó que 2 anos mais tarde veio a falecer. Atualmente, além de Glória, seu irmão Amadeu e a irmã Maria Madalena seguem trabalhando com o barro; e da geração dos netos, apenas Andreia abraçou o ofício.

“Eu sempre falo com as meninas e com os meus netos, eu falo a mesma coisa que minha mãe dizia: a gente nunca deve desistir de um sonho e quando a gente encontra alguma coisa que é importante pra gente, a gente segue. É importante fazermos com amor e levar adiante com fé as coisas que a gente tem vontade de fazer. Eu me sinto feliz em contar essa história e vendo meus netos ficarem felizes com essa história. Eu gosto muito de falar da minha história, da minha mãe, da minha filha, da comunidade. E foi uma história que teve um final feliz”.

Glória Maria

“Antes eu sentia ter uma responsabilidade muito grande em dar continuidade ao trabalho da minha avó. Da geração mais nova eu sou a única que seguiu. A minha avó sempre dizia pra mim para não deixar essa tradição morrer. Ela sempre estava disposta a ensinar a quem quer que quisesse aprender. Eu tenho orgulho de fazer parte dessa família e pra mim é um privilégio seguir com esse legado. Eu sempre fui muito determinada para seguir e sempre tive o apoio da minha família”.

ANDREIA ANDRADE

Família de dona Izabel Mendes da Cunha / Crédito das fotos: 1. Lori Figueiró / 2. Lori Figueiró / 3. Divulgação

Sobre o território

Santana do Araçuaí é um pequeno povoado de Ponto dos Volantes, no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, ligado à BR 116 por 11 km de estrada de terra, de acesso bastante razoável na época da seca, praticamente o ano inteiro. 

A região, antes coberta por mata atlântica e habitada pelo povo indígena Aranã, foi ocupada no século XVII pelos vaqueiros que buscavam terras para pastagem. Grande parte da mata foi derrubada e o que ficou no lugar foi o capim colonião e o solo castigado. Hoje, a principal atividade econômica presente no Vale é o cultivo de eucaliptos pelo agronegócio, que tem trazido consequências graves que atingem as comunidades e o ecossistema, como o desemprego, a crise hídrica, e os impactos na diversidade da fauna e da flora locais.

O Vale do Jequitinhonha é conhecido, muitas vezes, apenas pela pobreza, criada pelo desmatamento desmedido, e que estigmatizou negativamente a região. Pouco ainda se conhece sobre as riquezas sem medida manifestas nos saberes populares, nas danças, cantos, festas e na produção artesanal em palha, bambu, madeira, algodão e cerâmica. 

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