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Natalina Soares de Souza


Nathalina tece desde os 12 anos. Hoje, com 40 anos desse ofício continua a produzir peças de toda natureza tecidas a mão em algodão colorido. Nos antigos teares mineiros ganham símbolos de casinhas, janelas, árvores, flores e motivos cheio de geometria que retratam o cotidiano, enfeitam, trazem afeto e colorem a vida na roça.

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Sobre as criações

Tecelagem manual feita pela artesã Natalina | Créditos da foto: Lori Figueiró

Peças de toda natureza tecidas a mão em algodão colorido. Nos antigos teares mineiros ganham símbolos de casinhas, janelas, árvores, flores e motivos cheio de geometria que retratam o cotidiano, enfeitam, trazem afeto e colorem a vida na roça. Roça Grande, Minas
Gerais. Onde tudo vira poesia e arte pelas mãos e visão de mundo de Natalina Soares sobre colchas, almofadas e caminhos de mesa repletos de historia e memórias de uma valiosa tradição têxtil do século XVIII. “Toda casa lá na zona rural tinha uma árvore plantada ou então um pé de for, uma roseira. Por isso que nós começou a criá o desenho de casinha e galho que era prá, sei lá… Era um símbolo da nossa comunidade que a gente queria criá.” (*)

Resultado de um trabalho demorado e intenso que inclui cardar, fiar e tecer o fio de algodão, as peças brotam, uma a uma, como fruto maduro em pleno cerrado. Pelas mãos de Natalina, os desenhos que embelezam o tecido são construídos sem moldes, a partir de seu espírito e imaginação. “Na minha cabeça eu vou formando o traçado do cordão, a contagem dos fios, aí, de repente, é só ir pro tear e fazé a montage que dá certo” (*)

Antes a matéria prima era plantada e colhida na região mas com o enfraquecimento da atividade, os artesãos foram partindo para trabalhar em outros lugares e as tradições foram mudando. Poucos hoje se dedicam a esse trabalho, cada dia menos. Os próprios produtores não plantam mais, sabendo que o algodão não lhes garantirá mais uma boa renda.

Natalina compra o algodão (descaroçado e cardado) de Unaí, município distante cerca de 850 km. Conta ainda com duas fiandeiras na comunidade, que antes formavam um grupo de cerca de quarenta. “Os filhos foram embora para trabalhar em São Paulo. É muito triste mas é a realidade que está acontecendo.” Chegando, os fios passam pelo tingimento e em seguida pelas etapas de urdir, enrolar, depois emendar fio a fio para que sejam acomodados nos antigos teares e deem vida às criações singulares da artesã.

Sobre quem cria

Natalina, menina nascida em 25 de dezembro de 1969, se iniciou no oficio ainda criança, descaroçando o algodão para fiar. Filha caçula, não conheceu o pai: ao nascer ele já era falecido. Tinha seis anos quando a mãe já lhe entregava os primeiros ensinamentos. Depois aprendeu a fiar. “Ia para a roda aprender a fazer o fio do algodão”. Aos nove anos pedalava o tear, já sabia tecer. Com doze, assumiu o trabalho da mãe. E a responsabilidade. “Comecei desde criança porque não tive infância. Porque a gente no Vale, nossas crianças, nunca que tem infância, é só mesmo trabalhar.”

Por necessidade, Natalina passou a tecer. Com problemas de saúde, a mãe diagnosticada com reumatismo, monitorava a filha no tear, que garantia à família comprar alimento. Eram em cinco irmãos: as duas irmãs mais velhas foram morar em “casa de família” para poderem estudar. Em troca de um teto e comida, trabalhavam. O irmão, aos quinze anos, teve que ir pra usina trabalhar no corte de cana. Ela seguiu trabalhando, se dedicando, valorizando sua arte que foi e é até hoje sua única fonte de renda. “Sempre trabalhei muito por necessidade, mas hoje também me dedico com muito amor. É a coisa mais valorosa que tenho na minha vida.”

Natalina fez parte, por muitos anos, da Associação dos Artesãos e Produtores de Roça Grande, iniciada em 1983, a qual sua mãe foi uma das fundadoras. Permanece como sócia e ajuda “as meninas” como pode. Com mais de quarenta anos de tecelagem, em 2020 Natalina foi presenteada pelo fotógrafo Lori Figueiró com a publicação do livro À luz do algodão, uma homenagem feita através do registro biográfico de sua fascinante história contada por poemas e imagens sensíveis e potentes. “Fiquei tão feliz, que não sabia se chorava, ou agradecia. São quarenta anos de tecelagem. De sofrimentos, de tristeza muitas vezes, alegrias. Quarenta anos de luta.”

Mulher sobrecarregada
das incumbências familiares
e do dia
a
forja
a luz do algodão
com gestos
de utilidade descente
e esperançosa beleza

num demasiado de cores
e texturas
de truncadas
e entrecortadas
linhas

bordados delicados
orgânicos
quase líquidos
– como uma narrativa que precisa se forte
para enfrentar o peso da vida –

manchando de claridade terna
e exuberância esplendorosa
os territórios escalavrados
de Berilo
evidenciando eternidades

Lori Figueiró

Natalina Soares de Souza / Crédito das fotos: Lori Figueiró

Sobre o território

Berilo é um município situado na região do médio Jequitinhonha, Estado de Minas Gerais. Terra de quilombos, cantos de lavadeira, moda de viola. E artesanato. Reconhecido pela excelência de sua tecelagem, que remonta ao século XVIII e perpassa gerações, sua produção
artesanal é organizada em torno de três principais núcleos comunitários: Engenho Velho, Barra do Ribeirão e Roça Grande, morada de Natalina. Zona rural que já teve na produção dos tecidos uma alternativa digna para atender às necessidades básicas das famílias.

Assim como outras mulheres desse lugarejo fazem ao longo das gerações, e apesar do inegáveis riscos de desaparecimento, Natalina segue honrando o valioso ofício. Do antigo tear deixado pela mãe, datado de 1955, de tipo lançadeira, ela permanece entremeando fios que retratam sua historia e o cotidiano de sua comunidade. “É uma tradição antiga, é a historia da minha mãe, uma relíquia. Em Roça Grande, os mais antigos, há 100 anos atrás trabalhavam com essa tecelagem para fazer as vestes. Vendiam para Teofilo Otoni em lombo de animal. Colocavam as cargas em cobertores e viajavam por dias.”

Com o permanente desafio das vendas, frente a um trabalho que se contrapõe ao tempo da contemporaneidade e consome tempo e devoção, Natalina confirma a dificuldade em formar uma nova geração de tecelões. “Não esta tendo mais nova geração. Eu queria passar para minhas sobrinhas, mas os jovens querem viajar pra São Paulo, ir em busca de ter dinheiro. E esse trabalho é incerto, pode ser que esse mês tenha dinheiro e pode ser que não. Mas todos esses jovens estudaram, vestiram, calçaram graças a tecelagem. Mas acham um trabalho pesado. Todas as artesãs mais antigas ficaram sozinhas, nenhum filho ficou com as mães.”

“Daqui alguns anos, no máximo 10 anos, essa tradição não vai existir mais. Era um grupo de 66 artesãs e hoje, ativas mesmo, são 5. É triste falar. Eu me sinto muito triste porque eu tinha vontade de dar um curso voluntario para alguém que se interessasse e continuasse essa tradição. É uma coisa única, nossa.”


(*) Citações do livro À luz do algodão, do fotógrafo Lori Figueiró

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