A Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Abaetetuba – Pará


Abaetetuba é conhecida como “a cidade dos brinquedos de Miriti”. A partir da sabedoria da poda e do manejo do Buriti, são feitas parte das casas da região e também os brinquedos, que em 2010 receberam o título de Patrimônio Cultural do Pará.

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Avenida Pedro Rodrigues, s/n. Bairro Centro. Anexo ao Ginásio Hildo Carvalho, CEP 68400-000, Abaetetuba – PA

O Território

Abaetetuba está localizada a 126 km de Belém, no nordeste do Pará, na microrregião de Cametá. O município é banhado pelas águas do Rio Maratauíra (ou Meruú), um dos afluentes do rio Tocantins. A região possui inúmeras ilhas e clima super úmido, propiciando o cultivo de açaí e palmeiras como o miriti, ambos de extrema importância para a geração de renda da população local.

Sobre o ofício do entalhe em Miriti, o contato e o respeito com o território se faz extremamente necessário, pois está ligado ao sustento de parte considerável da população local e deu a cidade o título de “capital dos brinquedos de miriti”. Por envolver uma atividade extrativista, a educação ambiental e o manejo correto se tornam indispensáveis para a perpetuação da atividade.

Os brinquedos e peças criadas na região derivam do pecíolo, conhecido como braço ou talo do miritizeiro, e podem chegar até 5 metros de comprimento. Após a poda, passa pelo processo de secagem que dura aproximadamente 5 dias. Augusto Costa, mais conhecido como Gugu, extrativista e artesão da região comenta em entrevista na internet:

“Não se derruba a palmeira. A matéria-prima vem da poda e do manejo”.

A partir dessa sabedoria, são realizadas cerca de 2 podas por ano. Elas são suficientes para toda a produção artesanal, desde peneiras, brinquedos ou paredes de casa. Do miritizeiro se aproveita tudo, inclusive o fruto: o buriti é ingrediente de mingaus típicos da região. Sobre a afetividade com o território, o artesão e mestre Valdeli Costa comenta:

“Eu passei a amar mais as pessoas depois que comecei a amar a floresta”.

Valdeli costa

Como nasce um polo criativo?

O nome Abaetetuba vem do tupi e significa “ajuntamento de homens verdadeiros”. Foi a partir dessa união entre território e ofício que o brinquedo de miriti se tornou tradição. Valdeli Costa, líder e fundador da MIRITONG (ONG do Miriti) conta:

“Alguns registros mostram que as criações com miriti são heranças indígenas. Os adultos usavam o miriti para fazer casas. Eu nasci em uma casa com paredes de miriti. As crianças faziam barquinhos para brincar no rio”.

A palmeira dá sustento, comida e casa, literalmente. Anteriormente, a atividade era passada exclusivamente entre familiares, como é o caso de Beto Ferreira, que começou a entalhar aos 11 anos. Ele faz parte da terceira geração, perpetuando o ofício que há 70 anos vem tornando a família Ferreira uma das mais tradicionais na arte do brinquedo de miriti.

Quebrando a lógica da perpetuação apenas entre familiares, Valdeli, com o aumento das demandas, começou a convidar jovens do bairro para ensinar o ofício e para que ajudassem na produção. Assim surgiu a MIRITONG. Os brinquedos de miriti, em sua maioria, representam a fauna local e do que é visto na região. Sobre isso, Adilson Rocha do SEBRAE comenta:

“O brinquedo de miriti é uma expressão do nosso caboclo ribeirinho, onde ele expressa tudo aqui que ele apercebe-se. As embarcações, as casas, a pombinha, o dançarino… Então ele expressa todo o imaginário do nosso caboclo”.

Como se mantém um polo criativo?

O título de Capital Mundial do Brinquedo de Miriti foi alcançado através do empenho e desejo de compartilhamento de muitos mestres e mestras da região. Atualmente são produzidos inúmeros tipos de peças. Cada artesão tem sua identidade e o seu jeito de fazer.

Na década de 90, os brinquedos de miriti quase desapareceram por conta da industrialização, mas a ludicidade prevaleceu e os artesãos souberem inovar e inventar técnicas para dar cor, movimento e textura às peças. Espaços como a MIRITONG são fundamentais no processo de manutenção do ofício. Para Leandro, um dos aprendizes da ONG e posteriormente diretor, eles não fabricam brinquedos, fabricam sonhos. É dentro dessa lógica do imaginário e da criatividade que crianças e adultos se identificam e se encantam com os brinquedos de miriti. Para Leandro:

“Nós brincamos de trabalhar”

Fica evidente o prazer e o envolvimento dos artesãos no processo de criação. Ivan, artesão da região, acolhe em seu ateliê mais de 10 pessoas e estimula não apenas o fazer artesanal mas o plantio das palmeiras de miriti, para que acompanhem e nunca deixem acabar a fonte da matéria-prima.

São mais de 100 famílias trabalhando com o entalhe de miriti em Abaetetuba e todos esperam com ansiedade o momento mais importante para os paraenses, o Círio de Nazaré. Evento que reúne de 1,5 a 2 milhões de pessoas em torno da fé, da gastronomia e do artesanato. No mesmo período ocorre a Feira do Miriti, espaço reservado para exposição de centenas de artesãos com infinidades de brinquedos e objetos em miriti.  Na festa em homenagem a mãe da Amazônia, os conhecidos barcos dos milagres recebem inúmeros ex-votos dos fiéis que tiveram seus pedidos acolhidos pela santa, muitos deles feitos com miriti, como casas, barcos e partes do corpo.

Os brinquedos de miriti ganharam o título de Patrimônio Cultural do Pará em 2010, reafirmando sua importância para cultura e tradição local. Sobre o encantamento provocado por esse símbolo da cultura local, a poeta Deise Ribeiro escreve:

“Miriti ou Buriti
Isopor da Amazônia
Que nas mãos dos artesãos
Tu vais criando formas
É barco
É pássaro
Que começa com a coleta de talos
E termina com as vendas
No Círio de Nossa Senhora
E vai lá o artesão
Segurando as girândolas
Vende sonhos, vende sentimentos
Que encanta até as crianças
Pois cada brinquedo feito
Tem um toque de amor e de esperança…”.

Deise Ribeiro

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