A Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Ana Maria da Silva


De tão íntima, é conhecida como “renda da terra”. Trazida por mulheres portuguesas, a renda de bilro ancora no Brasil e é incorporada culturalmente e difundida nos nos sertões e litorais.

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Telefone (85) 98106-7173
Contato Ana Maria da Silva
Trairi – CE

Sobre as criações

Foto de divulgação Artesol

De tão íntima, é conhecida como “renda da terra”. Trazida por mulheres portuguesas, a renda de bilro ancora no Brasil e é incorporada culturalmente e difundida nos sertões e litorais. O ofício secular, ameaçado, se perpetua pelas mãos insistentes de mulheres como Ana Maria. O feitio da renda é uma luta árdua.

Para tecer, são necessários almofada (cavalete forrado com chita), bilros, desenhos, alfinetes (ou espinhos de mandacaru), linha, disciplina, paixão e muita paciência. Ânimo e mansidão. Vestuário (blusas e batas) e decoração (como capas de almofada) são os itens mais pedidos, tecidos em pontos embebidos de memória afetiva: alegria do pobre (renda fina e barata), orelha de burro, margarida, palha de coqueiro, olho de pombo, pata de siri, acode precisão, mão de calango, dente de cão, e os populares baratinha e traça.

“Eu vi a mulher rendeira,
rendando no Ceará.
Foi o mais belo espetáculo,
que já pude admirar (…)
(..) E para o encanto dos olhos,
surgia com esplendor,
A renda, que parecia,
obra de Nosso Senhor.

TRECHOS DA POESIA DE CORDEL “MULHER RENDEIRA”, DALINHA CATUNDA.

Sobre quem cria

Foto de divulgação Artesol

Neta e filha de rendeiras, mais velha entre oito irmãos, Ana Maria “aprendeu renda” ainda criança, aos 9 anos, com a avó. Hoje tem 47. Sempre morou no interior, na Lavagem Grande. Lá, quem não é rendeira artesã é professora, que é a “opção pra quem estuda mais e se forma”. A mãe ensinava o ofício contando histórias de quando a renda tinha valor. “Daí a cidade foi crescendo e deixando a renda pra trás”. E a realidade hoje aflige. Ana sabe que existem rendeiras que dependem de atravessadores e relatos de troca da renda por mercadoria. Onde a renda pode valer um caderno, um quilo de farinha, a necessidade do momento.

Mãe de três filhas, Ana Maria terminou o casamento no dia em que o marido a perguntou: “Tu quer quanto pra ficar em casa?”. Agradece ter se separado ao enumerar as conquistas com a renda. Foi presidente da Associação das Artesãs e Agricultores de Canaã (Artecan) onde liderou o resgate da cultura da renda de bilro junto com a conterrânea e cientista política Rosa de Lima Cunha. Reuniram e incentivaram as artesãs, sugeriram escreverem um projeto, pedir um terreno para a prefeitura. Em parceria com a ONG carioca Terra Azul, criaram e produziram uma nova coleção de produtos. Veio trabalho, renda digna e amor-próprio. Em 2013 mais um desafio. Uma indústria de energia eólica propondo a co-criação de uma coleção, sob orientação do estilista Ivanildo Nunes. Nasce a Coleção Viva Vento, as rendeiras voltam a trabalhar com a linha fina e desenhos exclusivos. Receberam modelista, produziram desfile, correram para se formalizar. 

O Programa “Mestres da Cultura” implantado pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult) em 2004 diplomou quase uma centena de mestres artesãos no estado. Poucos no ofício da renda e Ana é um deles. “Tesouros Vivos da Cultura”, título que atesta a relevância da vida e obra de reconhecidos detentores de conhecimentos de tradição popular. Concedem um auxílio financeiro vitalício pelo papel na “salvaguarda” e difusão do patrimônio imaterial, história e identidade, para que zelem pelo repasse de seus saberes e fazeres para as novas gerações. Reconhecida mestra-artesã, foi homenageada em 2017 pelo governo do estado do Ceará e escolhida para representar o Brasil em Portugal, nas comemorações que celebram o dia da rendeira além mar. Ana é sempre convocada pela CEART (Centro de Artesanato do Ceará) para oficinas de capacitação orientadas por uma modelista. Ensina renda pelo Sesc e oferece curso de iniciação a crianças, incluindo meninos. Ela confessa que, se pudesse, formaria uma escola, ela mesma: “muita criança brinca de renda, quer aprender com a avó, com a mãe, que não tem tempo, que trabalha, que acha que não vale a pena”. 

“…E os dedos trocam os bilros
num vaivém de ritmos atroantes
e é como se mãos de crianças se enredassem nos
desenhos do estrado que a artesã-rendeira vai ao tempo bordando…”

A RENDEIRA, JOSÉ ALCIDES PINTO

Sobre o território

Foto de divulgação Artesol

“Onde há renda, há rede”.

O ditado português escolta o ofício no Ceará, onde as artesãs se concentram nas regiões litorâneas

Trairi nasceu como aldeia em 1608, às margens do Rio Trairi, com a chegada dos portugueses que se estabeleceram e construíram famílias. Compreende 06 distritos, entre eles Canaã, onde estima-se existir cinco mil rendeiras, cerca de 10% da população. Número tão expressivo que uma lei estadual de 2010 confere ao município o título de “terra da renda de bilro no Ceará”. O principal indicador é de caráter imaterial. Um saber ancestral que preenche as calçadas, ao cair do sol. Ana pratica sua arte em sua casa. Lá produz, expõe, vende. Sempre procurou aprender tudo o que pôde, e diz que dinheiro não tem, mas conhecimento tem muito e isso ninguém tira dela. Projeta o tempo em que vai ficar velhinha e alguém vai falar: “foi a Ana que me ensinou“.

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