Antônia Lopes de Oliveira
Da figura humana até a arte decorativa, tudo ela faz. Do nascimento de Cristo a crucificação. Do campo, toda espécie de trabalhador. Reconhecida Mestra-artesã, trabalha com diferentes fibras coletadas no cerrado.
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Sobre as criações
Da figura humana até a arte decorativa, tudo ela faz. Do nascimento de Cristo a crucificação. Do campo, toda espécie de trabalhador. Tudo feito em capim. Mas a mestra destaca a preferência pela rosa de canela de índio (uma fibra marrom, com brilho natural, lavável). Confessa certo constrangimento com sua produção, abundante: “As pessoas acham que é tanta coisa que não sou eu quem faço. Sou eu sim. Eu, Deus e o silêncio”. Mas o rastro de seu trabalho ela imprime mesmo nas práticas de coleta das matérias-primas que sempre cultuou. No cerrado, ela e os filhos seguem de carro até o mato e chegando lá ela orienta o que serve e o que não serve. “Meus filhos fazem tudo pra mim. Me levam, pegam a fibra no mato, trazem aqui.” E enaltece o manejo herdado da sabedoria popular: “Sabendo colher, nunca vai faltar. Não precisa levar machado não, ferramenta nenhuma, só as mãos. Com as mãos você tira tudo do cerrado e deixa o resto lá pra quem vem depois. Exceto a palmeira do buriti que necessita de alguma ferramenta”.
Sobre quem cria
Antes de expor a relação íntima com a mata, Antônia lança a pergunta: “Sabe quantos anos eu tenho? Consegue imaginar?” A voz e espírito vibrantes não denunciam tanta história de vida. Antônia nasceu em 1933 e aos 86 anos se diz com a mente perfeita. Tem apenas artrose nos joelhos de tanto trabalhar. Se diz “descendente de pessoas que faziam artesanato”, mas esclarece que “esse mesmo que eu faço eu aprendi com Deus. A arte tem que ter inspiração, dom e fé.”
Tinha 6 anos quando se tornou “mãe adotiva”. Primeiro da irmã mais nova e dois anos depois de outra. A mãe, com muitos filhos, “dava pra gente criar”. Lhe deu dois, o primeiro aos 6 anos e, em seguida, aos 8. Na época, Antônia fez uma boneca de palha representando a relação dela com a irmã no colo. Brincavam juntas, as três: Antônia, a irmã e a boneca. Eram em treze irmãos. Quando ela tinha 12 anos sua mãe “foi morar no céu”. Aos 9 meses de luto, o pai casou-se novamente e teve mais dois filhos. Mais tarde, aos dezenove, foi ela quem se casou e ficou 32 anos casada, quando o esposo também “foi morar no céu”. Fez sete filhos, todos se casaram e foi então que Antônia mudou-se para Brasília, onde ganha intimidade com as fibras.
Faz artesanato desde criança, brincando com os irmãos, mas “entrou no comércio do artesanato mesmo” por volta de 1985. Trabalha desde pequena, fazia corda de couro crú em fazenda, trabalhou com cerâmica, fez bichos de pelúcia, crochê, se formou em corte e costura, mas não gostava – já mexia com as coisas da natureza. Trabalhou em seis estados mas foi com a vinda para o planalto central que se aperfeiçoou na fibra. Confirma a notoriedade de um dos biomas mais preciosos (e infelizmente desconhecidos) do Brasil ao citar o Distrito Federal como o estado mais rico de todos em matérias primas, e tipos de fibra. Ela já fazia artesanato com capim trançado mas foi na capital do país que descobriu uma espécie de coqueirinho, chamado canela-de-ema. Também o buriti, a palha mole, o sabugo, o cabelo de milho. Todos esses. Jocosa, ela declara: “Sabe o milho, eu como só os grãos, o resto tudo vira arte”.
Reconhecida pelo PAB (Programa do Artesanato Brasileiro) como mestra-artesã, o domínio no ofício não se deu através de nenhum mestre: “O mestre que me ensinou e ainda me ensina, é Deus. No artesanato tem que ter um pai muito forte e eu tenho”. Ensinou todos os filhos, que honram seu legado de outras formas: colaborando na coleta, nos intercâmbios comerciais. Deu cursos em um “bucado” de lugares mas no Distrito Federal só tem uma pessoa que dá continuidade ao seu trabalho: João de Fibra, aprendiz, e hoje mestre-artesão.
Sobre o território
Nascida no interior de Pernambuco, Garanhuns, hoje Antônia trabalha em sua própria casa no Distrito Federal, em uma garagem grande, onde produz, expõe e vende suas peças. Em tempos mais prósperos, participava de feiras, onde as vendas são muito mais significativas. Da sabedoria adquirida com intimidade junto ao cerrado, aflige-se com a expansão do “mundo do descartável”, defende a proibição do plástico e preocupa-se com o futuro da natureza, da mãe terra, que tudo lhe proveu. “O homem tem que proteger essa riqueza toda do cerrado, essa grande poupança que a mãe natureza dos deu.”