A Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Fatinha


Filha e neta de parteiras e tecelãs, Maria de Fátima Dutra Bastos dá forma e movimento a palha de milho na busca por transformá-la em representante legítima da cultura popular de Goiás.

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Contato Maria de Fátima Dutra Bastos
Av. Castro Alves – Chácara 07 – Olhos d`Água , CEP 72920-000, Alexânia – GO

Sobre as criações

Filha e neta de parteiras e tecelãs, Maria de Fátima Dutra Bastos dá forma e movimento a palha de milho na busca por transformá-la em representante legítima da cultura popular de Goiás. Traduz em esculturas genuínas e sutis a iconografia folclórica e religiosa de seu povo. Imagens barrocas que renascem revestidas de palha.

Sobre quem cria

Fatinha cresceu em meio a tradição artesanal mantida pelos moradores do pequeno povoado de Olhos d’Água. A avó Maria das Dores Pereira Dutra, e sua mãe, Ana da Silva Oliveira eram tecelãs, faziam produtos de uso doméstico. Produzia-se de tudo, não comprava-se nada. Época muito difícil, e as crianças não podiam comprar brinquedos. De família pobre e sem dinheiro para uma boneca, Fatinha passou a produzi-las com a palha de milho que lidava ao cuidar das galinhas e animais.

Em 1974 a educadora Lais Aderne criou em Olhos d’Água a “Feira do Troca”: identificou mestres artesãos, resgatou fazeres tradicionais da população nativa e criou um canal de escoamento para a produção artesanal, valendo-se do costume local que tinha como forma de comercialização o escambo. Trocavam-se roupas, sapatos, utensílios domésticos usados, trazidos pelos visitantes de cidades vizinhas, por produtos do vilarejo: artesanato e itens da agricultura local. Uniram-se duas práticas tradicionais da comunidade, o escambo e o artesanato de raiz. Com o passar do tempo, se consolidou como grande evento turístico com uma agenda cultural rica e variada, com música sertaneja de raiz, moda de viola, danças tradicionais como o catira, teatro de mamulengo, contação de “causos” e história, além da gastronomia local, como galinhada, galinha com pequi, empadão goiano, frango com gueiroba, pamonha, caldo e engrossado de milho. A troca por necessidade não mais existia. Permanecia, no entanto, a tradição da troca justa.

“Todos juntos promovem uma operação que é das mais antigas do mundo: a “feira de troca”. E com isso fazem vibrar a pequena comunidade.” Escreveu Carlos Drummond de Andrade sobre a Feira do Troca.

Fatinha tinha 15 anos. Começou a fazer bonecas de palha e trocar. O fato de serem todos muito religiosos no local, a conduziu para a arte sacra. A mãe tinha presépios, adultos e crianças rezavam o terço diariamente. Mais tarde casou, teve filhos e começou a tocar com o marido a tecelagem da família, uma tradição familiar. Mas seguia lidando com a palha, em dúvida ao que se dedicar. Ganhava prêmios pelos presépios que criava. Lais e a artista Nalva Aguiar a incentivavam para que deixasse a tecelagem com Beto pois tinha um talento único com a palha. 

Em 1999 a parlamentar Tania Bastos, na época consultora do Sebrae, a convidou para a primeira Rodada de Negócios do Sebrae GO, que aconteceria em São Paulo. Fatinha passava por um grave momento de saúde na família. Tania insistiu em levar um presépio seu, ainda sem acabamento. Não havia tempo para produzir outro. Abalada, recebe uma ligação dias depois informando que havia sido a artesã com maior número de pedido do estado. Tratou de superar a dor, foi até sua casa e encontrou metros de papel de fax pela sala: dezenas de pedidos que chegavam de lojas de todo o país. Só conseguia chorar. Havia trabalhado mais de 30 anos por aquilo, ao mesmo tempo, vivia um drama pessoal. Decidiu assumir todos os pedidos, porém parcialmente, não deixaria de cumpri-los. Começou e nunca mais parou. 

Foto de divulgação Artesol

Por volta de 2005 se lançou em uma pesquisa sobre a origem do milho na região. Passou a ir pra roça fazer experimentos por conta própria: misturava sementes, fazia misturas. As pessoas a achavam louca. Certo dia foi atrás de sementes de milho crioulo (o nosso milho caipira) e conseguiu umas quatro sementinhas. Daí não parou mais. Dos experimentos ela tem hoje cerca de seis a sete tonalidades diferentes de palha: creme, salmão claro, escuro, roxo, listrado. Ela ainda resgatou a forma de plantio e colheita dos antigos. Planta na lua certa, conforme a mãe e avó faziam. Não tinha dimensão de onde chegaria mas hoje se realiza e faz questão de plantar seu próprio milho.

Contratou muita gente da comunidade para lhe ajudar. Ensinou um ofício, gerou emprego e renda, tirou muita gente da rua. Deu dignidade, comida e trabalho a muitas senhoras de idade sem oportunidade. Foram aprendendo, compraram casa e se aposentaram no ofício. Se orgulha pelo salário que oferecia, superior ao dos professores da cidade. Mas não estava satisfeita. Fatinha sempre achou que o artista tem que se renovar. Desejava fazer peças grandes, imagens barrocas. Perdeu muita palha tentando. Um dia se comprometeu a passar a noite trabalhando. Foi pra cama às 5h da manha mas conseguiu transformar a palha conforme pretendia. Quase não dormiu naquela noite. Aquela santa mudaria a rota de sua vida novamente. Ao levantar recebeu um casal no atelier e viram a santa. Fizeram uma encomenda e de alguma forma a peça chegaria mais tarde nas mãos de Ana Maria Braga. Tempos depois, em uma audiência no gabinete do desembargador do estado, o bispo Dom Leonardo conheceu o trabalho, que decorava o ambiente, e encomendou uma imagem ao Papa João Francisco, entregue em mãos em 2018.

Fatinha participou de várias feiras pelo Brasil, concedeu entrevista para programas de televisão como Globo Repórter e Jornal Nacional, recebeu prêmios de design e teve o trabalho divulgado para todo o Brasil através do prêmio Acorda Menina do Programa de Ana Maria Braga. Expôs no Salão do Artesanato na Casa Cor, foi reconhecida mestra-artesã pelo Programa do Artesanato Brasileiro e seu prestígio proporciona convites para colaborar junto ao governo do estado para o direcionamento de políticas públicas para o setor. Próximo de completar 70 anos, é uma artista reconhecida no Brasil e premiada no exterior.

Sobre o território

Nascida em Olhos d’Água, município de Alexânia, a 116km da capital do estado de Goiás, Fatinha prestigia as matérias-primas do cerrado oferecendo um destino nobre a palhas de milho, de bananeira, buchas, cabaças, sementes, flores secas e outros, os quais transforma em arte. Mora na roça, em um lugar bem calmo e afastado da cidade mas é na antiga casa da avó, na praça matriz, bem em frente a igreja onde tem sua loja e atelier, na qual conta com a ajuda do filho Gabriel.

Por meio de sua simplicidade, persistência e coragem, a artesã mostrou para a comunidade em que vive que, sustentados pela valorização do trabalho comunitário e do artesanato, poderiam melhorar a vida de todos. “Em todo lugar você nunca chega sozinho. Sempre há gente pelo caminho lhe ajudando a chegar”. Com o resgate de práticas tradicionais, como a tecelagem, o tingimento de tecidos e o manuseio das palhas, Fatinha leva o nome do acanhado povoado e de seu povo para o mundo, afirmando o valor e a importância do trabalho artesanal e genuinamente brasileiro. 

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