A Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Mestre Alice de Oliveira


Palha de milho crioulo, taboa e fibra de bananeira são os materiais onde Alice de Oliveira mergulha seu talento e resgata suas raízes. Em cada objeto trançado, imprime sua arte e as evidências de uma tradição secular.

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Sobre as criações

Da matéria prima habitualmente descartada, sem valor de mercado, sem destinação, graças à sabedoria da tradição popular, belíssimos objetos de uso e decoração trançados a mão passam a ganhar vida. Palha de milho crioulo, taboa e fibra de bananeira são os materiais onde Alice de Oliveira mergulha seu talento e resgata suas raízes. Em cada objeto trançado, a impressão de sua arte e as evidências de uma tradição secular. O antigo grampo de cabelo usado na infância pra trançar – ora feito com um pedaço de arame dobrado ao meio – ainda é a ferramenta do ofício que sempre a acompanha nas oficinas que ministra, ao transmitir o improviso da agulha. A cultura do milho crioulo é uma tradição que remonta há séculos, e que se cruza com antigos registros humanos nas Américas, quando os Incas partiram do Peru e Chile em direção ao Brasil através do Caminho do Peabiru (nome de origem tupi) trazendo e distribuindo pelo caminho variedades de milho crioulo.

Toninho Macedo, pesquisador, curador e diretor artístico que idealizou o projeto Revelando São Paulo, um dos maiores festivais da área, reunindo centenas de municípios paulistas e artistas populares em torno da riqueza artesanal do Estado, permite que tenhamos a dimensão do trabalho desenvolvido por Alice. Ele explica que seu trabalho é a confirmação de que Guapiara faz parte do Caminho de Peabiru, quando até então sabia-se que apenas Iguape integrava essa rota.

“Meu pai plantava, meus avós plantavam. É muito valor cultural. Primeiro é meu trabalho, de onde tiro meu sustento. Segundo: a coisa mais bonita é quando eu fico uma temporada ensinando – é maravilhoso pensar que vou ensinar uma outra pessoa a ter seu sustento, além de manter viva a semente do milho crioulo.”

Graças aos teste realizados regularmente pela EMBRAPA, sabe-se que as sementes cultivadas por Alice, de onde ela retira sua matéria-prima, permanecem puras, sem nenhuma contaminação de transgênico. Um constante esforço em plantar “meio escondido” nas matas, sempre com 30 dias de intervalo de uma variedade para outra para que não cessem. Sempre na lua minguante. “Também na nova, mas na minguante a gente confia mais”. O tempo da colheita depende da qualidade do milho. O Macau, que é o mais nativo, leva até seis meses para que fique seco, no ponto para colher e trançar. O milho tipo Cunha toma de quatro a cinco meses até a colheita. Ambos duram anos armazenados. Aprendeu observando o pai. “Até para tirar uma ponta de abóbora ele via a lua. Tudo era a lua” E assim Alice segue buscando ensinar. 

Sobre quem cria

Neta de indígena (com avô branco) e bisavós também indígenas, Alice é nascida em Guapiara, interior de São Paulo. Faz das suas raízes, do gosto pela natureza e do talento em manusear as fibras naturais, seu ofício. Alice aprendeu com o pai tudo o que sabe sobre como plantar as diferentes variedades de milho e perpetuar as sementes. O mesmo em relação aos trançados. O pai usava os balaios em casa e ela, menina de 5 ou 6 anos, ficava apenas olhando-o fazer. Também aprendeu com as vizinhas.

“Antes tinham umas senhorinhas que faziam. Elas ficavam ali sentadas fazendo umas bolsas e eu ficava olhando e fui aprendendo. Fui fazendo por brincadeira, para brincar em casa. Dessa forma eu aprendi. Olhando e reproduzindo. Ninguém sentou e ensinou. Nunca pedi ao meu pai. As pessoas mais velhas não gostavam de ensinar. Diziam que não era coisa de criança.”

Em 1989, sua primeira filha (Kely) foi pra escola e Alice queria passar mais tempo perto. Pensou em encontrar um trabalho mais próximo à escola. Antes disso ela trabalhava “fazendo carga” na Central de Abastecimento CEASA, como pedreira, servente, ajudando o marido. Resgatando o legado do pai e da família, passou a trançar. Mas não só – também ensinava outras mulheres. “Fazíamos cadeira, trançados, tudo o que você imaginasse.” Cresceram. Começaram a participar de feiras, vender, ficarem conhecidas. Em 2005 Alice passou a se dedicar ainda mais a ensinar e em 2009 fundaram uma cooperativa. Além de uma das fundadoras, se tornou a primeira presidente. Conseguiram levar para Guapiara um projeto de intercâmbio do HSBC Mundial, onde executivos do mundo todo eram recebidos por elas e, juntos, trabalhavam pelo aprimoramento do modelo do negócio. Se tornaram referência e modelo de sucesso para outra cidades vizinhas.

Em 2012 ela ajudou a fundar Associação de Mulheres Artesãs de Guapiara Arte e Vida, a qual também presidiu e permanece associada. Conquistaram, em 2017, o Selo de Certificação de Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil, uma forma de demonstrar que uma ação promoveu resultados relevantes uma comunidade e pode ser reaplicada em outros territórios. Alice participa todo ano do Seminário e Feira de Troca de sementes e mudas tradicionais do Vale do Ribeira, um importante intercâmbio onde ensina e também aprende a cultura e forma de outras pessoas plantarem. Legitimamente foi reconhecida com o título de mestra pelo Programa do Artesanato Brasileiro. Cada vez mais foi disseminando seu conhecimento, viajando, dando oficinas através de convites do Sesc, escolas, organizações, pela Associação e prefeitura, conquistando ainda mais reconhecimento. Com ele também, o incômodo que isso pode provocar. Perderam o apoio da prefeitura e a convivência foi ficando cada vez mais difícil. Finalmente em 2017 Alice mudou-se para Campinas com a filha, aprovada na UNICAMP para seguir residência médica. Em Campinas cresceu ainda mais, com novos apoios e parceiros.

Sobre o território

O Caminho de Peabiru é uma rota pré-colombiana formada por antigos caminhos usados pelos indígenas sul-americanos, muito antes do descobrimento pelos europeus, para ligar o litoral ao interior do continente. Constituía-se uma via entre os Andes e o Oceano Atlântico. Mais precisamente conectando Cusco, no Peru, ao litoral brasileiro, próximo a São Vicente. Com cerca de 3 mil quilômetros, atravessava os territórios onde hoje localizam-se Peru, Bolívia, Paraguai e Brasil. Foi a rota usada pelos incas ao partirem do Peru e Chile para o Brasil trazendo e distribuindo pelo caminho diferentes tipos de milho crioulo. Através do trabalho realizado por Alice e seu legado familiar, foi possível confirmar que Guapiara fez parte do caminho do Peaburu, até chegar a Iguape. Já havia sido encontrada uma estatueta de forma antropomorfa (representação estilizada da figura humana) pré-colombiana no ano de 1906, que ficou conhecida nos meios científicos como Ídolo de Iguape. A peça de 9 cm de altura e aproximadamente 2.500 anos, esculpida em pedra gnaisse, já dava indícios dessa informação. Esses importantes dados históricos foram compartilhados em 2015, durante o Revelando São Paulo realizado naquele ano, que contou com a presença de uma equipe técnica de Cusco – incluindo o prefeito – e a presença de Alice como convidada, compartilhando seu relato.

Alice tem uma casa em Guapiara mas sonha em comprar uma terra onde possa montar um atelier com oficinas e plantio de semestres das quais é guardiã, preservada há tantas gerações. Tem planos de fazer um banco de sementes, oferecê-las e ensinar sobre ela e sobre o trançado. É procurada por muitas escolas e faculdades que querem conhecer o trabalho. Não sabe ainda se volta ou não para Guapiara. Mas segue segura que seu lugar de pertencimento é aquele. Dando continuidade e vida a peças únicas, exclusivas, que carregam parte da nossa história com o requinte de serem assinadas pela mestra-artesã.

“Chego a arrepiar. O milho em si, quando você vê o milho, você sente alguma coisa que é difícil de explicar, você sabe que ali é uma vida, que você faz muita coisa ali, que alimenta muita vida. Sou apaixonada pelo milho. Eu não conheci meu avô. Minha mãe fala que logo que eu nasci ele faleceu. Mas lembro dele voltando da roça e sentando com a calça arregaçada. Fico pensando como ele era. E meu pai aprendeu com ele.”

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