A Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Buíque – Pernambuco


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CEP 56537-000, Buíque – PE

O Território

Buíque está localizada a 282 km de Recife, no portal do sertão pernambucano e conta com uma população de aproximadamente 58.450 habitantes. Dentro do município, o distrito do Catimbau destaca-se por guardar o segundo maior parque arqueológico do Brasil, sendo o primeiro, a Serra da Capivara no Piauí. Dentro do Vale, pinturas da tradição nordeste datam entre 8 e 10 mil anos, e da tradição agreste datam de aproximadamente 2 mil anos. Essas pinturas foram realizadas por povos caçadores e coletores que habitavam e usavam as regiões rochosas como abrigo, reafirmando a ancestralidade do território.

O bioma da região é a caatinga, exclusivo do nosso país. Para os olhos que olham superficialmente, parece demasiado seco, mas nos pés da serra encontra-se um grande aquífero que abastece toda a região e permite que fontes de água potável sejam encontradas nas proximidades. Em Buíque também se encontra o povo Kapinawá, com terras demarcadas e na luta pela demarcação de territórios ainda não reconhecidos pelo estado, mas desde sempre habitados por comunidades indígenas da região. A luta pelo reconhecimento de algumas comunidades com tradições quilombolas é também presente.

Nesse ambiente de bioma exclusivo, aquíferos, pinturas rupestres, terras indígenas e tradições quilombolas, surge a cultura do entalhe em madeira adotada por diversos artesãos e famílias na região do Sítio Igrejinha, cerca de 9 km do centro do Catimbau, na zona rural.

Como nasce um polo criativo?

O princípio da tradição do entalhe em madeira não é muito distante no território, por isso, torna-se difícil falar do Catimbau como polo sem mencionar o Mestre Zé Bezerra. Ele iniciou seu trabalho como artesão já adulto e conta que recebeu uma mensagem em sonho, de uma figura com um manto que disse que ele viveria das matas. No dia seguinte saiu para caminhar na caatinga e resgatar troncos e galhos de madeiras, transformando a matéria-prima morta em obras cheias de vida.

Entre pebas, lagartos, gatos e tantos outros animais, Zé Bezerra iniciou um resgate de sua memória afetiva e da fauna local. Junto a ele, companheira e filhos também se entregaram ao ofício. Zé percebeu que através do artesanato e da música era possível atrair os turistas que visitavam o Vale do Catimbau e decidiu se dedicar ao ofício com afinco. Seguiu também ao pé da letra o sentido mais profundo da palavra “mestre”, compartilhando todo seu conhecimento com amigos e conhecidos da região. Foi assim que ensinou e formou mestres como Luiz Benício, Fábio Ramos e cerca de 14 artesãos que atualmente se dedicam ao entalhe em madeira.

Mestres que criam mestres. Apesar da tipologia ser a mesma, é fácil perceber a diferença entre as peças de Zé e Luiz, por exemplo. As obras de Zé Bezerra quase não levam polimento, ele mantém a madeira o mais natural possível, com suas texturas e cascas. Já Luiz Benício e Simone, outra destacada artista do território, utilizam mais lixas e buscam formas mais figurativas, mantendo a rusticidade das obras. A dimensão das esculturas também são características marcantes nos trabalhos de Luiz e Fábio, que ousam com esculturas que chegam a 2,5 m.

Umburana e Jaqueira são as madeiras utilizadas. Sempre já mortas, pois nenhum dos mestres e artesãos utiliza madeira viva. Todos convivem, respeitam e têm consciência da importância de cuidar do próprio território que oferece a matéria-prima para suas criações.

Simone de Souza trabalhando / Crédito da foto: Lais Domingues.

O processo de criação das esculturas no Buíque / Crédito das fotos: 1, 2, 3 e 4 – Laís Domingues

Como se mantém um processo criativo?

Por ser a primeira geração de mestres e artesãos do entalhe em madeira na região, nota-se um processo constante de expansão. Os mestres ainda vivos continuam a perpetuar seus saberes em seus núcleos familiares e com quem se interesse e se aproxime. Assim, foram conquistando espaços dentro do município, como o “Espaço Municipal de Artes de Buíque” que funciona no centro da cidade como lugar de escoamento das produções artesanais da região e leva junto o nome “Carlos Henrique Benicio”, em homenagem ao pai do mestre Luiz Benício.

Para além do espaço conquistado junto ao município, os ateliês dos artesãos e mestres passaram a fazer parte do circuito turístico adotado por guias da região. A estrada de barro, rumo ao sítio Igrejinha, na zona rural do distrito do Catimbau, é caminho para dezenas de ateliês, o primeiro deles é o de Jacó, aprendiz de Zé Bezerra, seguido pelo ateliê de Luiz Benício e Simone, que atualmente funciona como galeria de muitos artesãos da região. Parte dos ateliês ficam no caminho das trilhas do “Chapadão” e dos “Homens sem Cabeça”, onde também se encontram pinturas rupestres e uma visão impressionante do Parque Nacional.

Tanto Luiz como Zé Bezerra compartilham o ofício de artesão com a família, ambos comentam da importante sensação de perpetuação de seus saberes e de sentirem que a herança mais importante deixada será o poder de criar e transformar a partir da madeira. A obras dos mestres buiquenses já percorreram o Brasil e continentes como Europa e América do norte. Galeristas e colecionadores constantemente entram em contato encomendando e adquirindo obras de Zé, Fábio, Simone e Luiz.

Na maior feira de arte e artesanato da América Latina, a FENEARTE, Luiz Benício possui espaço cativo na “Alameda dos Mestres”. Zé Bezerra também participava, mas nos últimos anos decidiu focar nas vendas em seu próprio ateliê. Atualmente, Zé Bezerra busca o reconhecimento do Governo do Estado de Pernambuco com apoio de amigos próximos como Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco, mas esbarra na enorme burocracia da documentação necessária.

São mestres que lutam pela perpetuação de tradições e geram autonomia e renda para famílias inteiras, porém poucas vezes são reconhecidos e apoiados pelo estado em seus processos de compartilhamento de saberes.

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