Cariri – CE
O Cariri fica no sul do Ceará, a 542 km da capital Fortaleza. Abriga 29 municípios, e se destaca pela alta produção artesanal e artística, de alto valor simbólico, expressando identidade territorial e uma imensa força criativa do seu povo.
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O Território
O Cariri fica no sul do Ceará, a 542 km da capital Fortaleza. Abriga 29 municípios, e se destaca pela alta produção artesanal e artística, de alto valor simbólico, expressando identidade territorial e uma imensa força criativa do seu povo.
Na região se encontra a Chapada do Araripe, acidente geográfico e sítio paleontológico localizado nas divisas de Pernambuco, Ceará e Piauí. A chapada abriga uma floresta nacional, uma APA (Área de Proteção Ambiental) e um Geoparque.
A região era antes habitada pelos indígenas Kariris, de onde vem seu nome. A permanência dos indígenas foi ameaçada pela divisão do território nas sesmarias o que resultou na chegada dos primeiros colonizados, vindos da Bahia e de Sergipe, em meados do século XVIII.
Já o nome Araripe vem do tupi ararype e quer dizer “no rio das araras”. O nome por si só fala bastante sobre o território que conta com uma bacia sedimentar que banha a região com 348 fontes naturais de água e transita entre três biomas: caatinga, cerrado e mata atlântica, sendo a vegetação predominante de cerradão, com árvores de até 15 metros. Os municípios mais próximos são Exu e Crato, de um lado Pernambuco, do outro Ceará. Dois biomas diferentes beiram a Chapada que conta histórias que precedem a humanidade, da era mesozoica. Na região foram encontrados fósseis de dinossauros de diversas espécies pelo Museu Nacional da Universidade do Rio de Janeiro.
A região metropolitana do Cariri é composta pelas cidades de Juazeiro do Norte, Barbalha e Crato. O contexto geográfico permite o entendimento do Crato, uma das principais cidades da região, como “oásis do sertão” cearense. Cidade verde, montanhosa, abundante em água, com casas coloridas, onde a cultura popular e o artesanato pulsam e ocupam a cidade de forma harmônica e acolhedora.
No Cariri também encontramos a vegetação dos sertões e de serras secas, que inspiram as manifestações da cultura popular e são terra fértil para contos, histórias e festividades católicas, que ocorrem periodicamente e são fonte de devoção para seu povo.
“Do boi só se perde o berro”
Ednardo
Como nasce um polo criativo?
O CRAJUBAR (Crato, Juazeiro e Barbalha) é um polo regional artístico e artesanal, o que torna difícil falar de um município sem falar do todo. A cultura do couro na região principia na pecuária, conhecida como a “civilização do couro”. O aproveitamento dessa matéria-prima acompanha a história do Ceará e se intensificou desde os tempos da colonização, sendo a pecuária um dos motores da economia do estado durante muitas décadas.
Com isso, surge a figura do vaqueiro, responsável pela alimentação e cuidados dos animais e, consequentemente, a busca por indumentárias, como arreios, selas, cabeçadas, gibão, chapéu e adereços de proteção para adentrar na caatinga. Na pecuária, aproveita-se tudo do gado: carne, leite, queijo, couro. Como diria o compositor cearense Ednardo: “Do boi só se perde o berro”.
Com o passar dos anos, mestres e artesãos da região iniciaram a produção de peças alternativas às já produzidas, direcionando seus fazeres para a área de calçados. O mestre José Alves Feitosa, mais conhecido como Juarez, curioso e autodidata, aprendeu a trabalhar com o couro produzindo adereços para os vaqueiros da região. Com o conhecimento adquirido, deixou o emprego e criou seu próprio negócio direcionado para calçados, onde compartilhou muito de seus saberes com seus aprendizes. Dentre eles, mestre Agrípio, que fez sandálias e adereços para Luiz Gonzaga.
Para além do couro, o município do Crato também é conhecido pelas diversas olarias de peças utilitárias e decorativas, tendo como centro dessas produções o bairro de Batateira. Na entrada do bairro, sinais do ofício: peças em cerâmicas tomam conta das calçadas na beira da estrada de acesso ao centro do Crato.
Iedo Silva, mestre responsável pela formação de inúmeros artesãos da região, nascido em Rosário no Maranhão, terra do filtro de barro, vive há muitos anos no Crato. Ele conta que quando chegou na região não havia olarias. A dificuldade de lidar com o barro da região trouxe alguns desafios para ele que trabalhava na produção de filtros. Com o tempo foi adaptando a mistura de barro e argila e encontrando o fornecedor e região ideal para extração da matéria-prima. Iedo teve e tem muitos aprendizes. Muitas das atuais olarias de Batateira são de artesãos que aprenderam a técnica com ele e decidiram seguir o caminho buscando também autonomia.
Como se mantém um processo criativo?
O Cariri é considerado um dos maiores polos calçadistas do Brasil e parte considerável dessa produção acontece no Crato, sendo Juazeiro do Norte o lugar de venda e escoamento das peças. Falar dessa região sem mencionar Padre Cícero parece impossível, pois a fé e a devoção mobilizam cerca de 2,5 milhões de turistas que passam pelo Cariri anualmente para romarias, promessas e milagres.
A fé e o trabalho, lemas de Padre Cícero, movimentam os municípios do Cariri e suas economias.
No Crato, a produção em couro passeia entre mestres que fazem tudo manualmente, os que contam com apoio de máquinas e o industrianato, onde a lógica de linha de produção se faz presente e poucas etapas são manuais.
André Cardoso, um dos mestres mais conhecidos do Crato, conta com uma equipe de aprendizes e funcionários que produzem, semanalmente, centenas de sandálias, cadeiras, arreios, botas e bolsas em couro. Ele utiliza algumas máquinas de corte no processo de produção, mas o fazer artesanal prevalece em sua loja e ateliê. André acredita que um artesão habilidoso com couro é aquele que já viveu ou vive na zona rural e a maioria de seus funcionários vivem. Para ele, é importante entender a origem e a utilidade dos adereços e peças produzidas.
“Como a pessoa vai produzir uma cela, se nunca andou de cavalo? “ – André Cardoso.
Apesar de produzir poucas peças desse tipo, por conta da demanda que é pequena atualmente, ele considera a vida rural um dos pilares do trabalho com o couro. Entendendo todo o contexto histórico e cultural, essa ideia parece fazer bastante sentido.
Já Horácio trata, tinge, corta, cola, faz o solado, tudo manualmente, contando apenas com uma máquina de costurar. Todo o processo é feito por ele, em seu ateliê nos fundos de sua casa.
Ele conta que aprendeu a trabalhar com couro com um mestre seleiro, chamado Toinho, do bairro de Batateira, que ensinou muitos artesãos na região.
Em contraponto, Manoel, da Caruá Calçados, é um dos maiores produtores de calçados dentro do industrianato. Iniciou com processos mais artesanais e foi migrando aos poucos para o processo artesoindustrial, contando com máquinas mecânicas e eletrônicas em seu galpão. Produz peças que são vendidas principalmente em Juazeiro, mas também na Europa, alcançando o mercado internacional.
Para além das tipologias já mencionadas, o município abre espaço para inúmeros processos criativos, sendo possível encontrar lutiers e grupos como as Bonequeiras do Pé de Manga. Já as Fuxiqueiras da Chapada, localizadas na Chapada do Baixio, reúne cerca de 15 mulheres da zona rural do Crato em busca de autonomia e sororidade. Essas e tantas outras formas de se expressar e afetar através do fazer manual e da cultura popular são comuns no município que parece respirar arte e tradição.
Foto do Grupo de Artesanato as Fuxiqueiras da Chapada do Baixio.
No Crato alguns espaços como a Casa da Criatividade localizada na agradável Praça da Sé, concentram trabalhos de inúmeros artesãos e também é sede da Associação dos Artesãos do Crato, sendo um ótimo lugar para se ter dimensão das produções da cidade. Outro espaço autônomo e importantíssimo é a Casa Ucá, gerido pelo designer Saymo Luna e sua mãe, onde se concentra o seu ateliê, uma loja colaborativa com obras de diversos artesãos do Cariri cearense, um bar restaurante e uma vasta programação de oficinas formativas, shows e outras tantas atividades culturais.
Saymo, além de gestor do espaço, também facilita oficinas de formação e desenvolvimento criativo através da Central de Artesanato do Ceará (CeArt), instituição com forte investimento e ação na região do Cariri, referência para o Brasil tratando-se de políticas públicas voltadas para o artesanato.
Atualmente, a CeArt tem sede em Juazeiro do Norte e, além das ações formativas, trabalha ativamente na compra de produtos artesanais para vender em suas lojas e levar para capital Fortaleza, com intuito de divulgar e propagar o artesanato do Cariri. O processo de incentivo ao artesanato da CeArt acaba se diferenciando de outras instituições estatais que expõem obras e produtos de mestres e artesãos por consignação, o que acaba distanciando o estado dos artesãos.