A Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Mestre Doca Leite


Dodanias Leite Gonçalves é mestre e guardião da arte marajoara. Trabalha há décadas com a cerâmica, sabe o valor cultural do seu artesanato, que já ensinou há tantos em palestras, cursos e aulas.

Mostrar contatos

AbrirFechar

Os contatos devem ser feitos preferencialmente via Whatsapp.

CEP 66812-030, Icoaraci – PA

A Artesol não intermedeia relações estabelecidas por meio desta plataforma, sendo de exclusiva responsabilidade dos envolvidos o atendimento da legislação aplicável à defesa do consumidor.

Sobre as criações

Herdeiros das culturas arqueológicas marajoara e tapajônica, o povo paraense tem na produção de objetos cerâmicos um importante elemento de sua identidade. Mais antiga arte cerâmica do Brasil e uma das mais antigas das Americas, a arte marajoara caracteriza-se pela ampla e sofisticada quantidade de objetos produzida por antigos ocupantes da Ilha de Marajó.
Vasilhas, potes, urnas funerárias, tangas (ou tapa-sexo), chocalhos, estatuetas, bancos e outros, apresentam padrões decorativos abundantes com desenhos repetitivos, variados traços gráficos, simétricos e geométricos, em baixo ou alto relevo, entalhes e aplicações empregados de modo padronizado. Supõe-se que a atual produção marajoara remeta a um período que data de 400 a 1350 da nossa era, fase que termina abandonada ou absorvida pelos novos migrantes, os aruãs, presentes na ilha na chegada dos europeus.

A comunicação pela arte dos povos sem escrita – ao menos como a conhecemos tradicionalmente – revela um estilo próprio para cada grupo social. São muitas as variações estéticas encontradas. Representações realistas (de animais e plantas) e icônicas, compreendidos pelos membro daquela comunidade. Tratam-se de artefatos que armazenam informações, considerados “textos” sem grafias, repletos de símbolos que expressam ideologias e visões de mundo. Uma herança material dos povos sem escrita da Amazônia. É inspirado nesse patrimônio cultural que Dodanias Leite Gonçalves imprimiu sua arte.
Dedicado à preservação e renovação da cultura marajoara, Mestre Doca Leite se mantém há mais de meio século voltado à produção de peças que homenageiam essa herança milenar, como forma de comunicação e interação entre o passado e o presente. É a habilidade do
mestre, desenhista, artesão que conduz a arte já que não há moldes para orientar os desenhos marajoaras, feitos todos a mão livre.

Sobre quem cria

Mestre Doca tinha cerca de 18 anos quando foi seduzido pela arte marajoara. Era o ano de 1972, trabalhava servindo o pai na estação de minério. No bairro onde morava havia muita olaria. Fabricavam de tudo com o barro, até tubos para rede de água e esgoto. Certo dia,
jogando bola no fundo do quintal, afundou o pé no barro e cortou em uma garrafa. Ficou quatro dias impedido de se movimentar. Foram o suficiente para notar o cunhado, recentemente dedicado à arte marajoara, com interesse. Ele havia visitado Mestre Rosemiro, que não negava ajuda ou ensinamento a ninguém, e lá notou que o valor das peças estava nos desenhos – passou a se dedicar. “Bastava querer aprender. Um cara que nunca fechou o coração pra ninguém.” E naquele resguardo, Doca Leite também passou a produzir. Nunca mais parou. Rosemiro dizia: “Eu transformo barro em arte, o homem transforma arte em dinheiro.”

Doca sempre acreditou que “O valor da cerâmica marajoara é o desenho.” Logo recebeu um convite para desenhar por encomenda em peças já produzidas. “Sadi, um artesão de Icoaraci queria uma pessoa para desenhar na cerâmica. E não tinha profissional naquela época. Bastava só brincar, colocar o desenho e já recebia pelo trabalho. Um convite de trabalho com quatro vezes mais ganho do que eu ganhava na época.” Um tempo depois entrou em sociedade com Olga, ex-mulher de Sadi. Aumentou ainda mais seus ganhos. Nessa época foi conhecer melhor o que estava fabricando. “Me aprimorei muito naquela época, fui atrás de pesquisar.” Não enfrentava problemas nas vendas, mas na fabricação. Usava tinta esferográfica, tóxica, na tentativa de colorir as peças. Com pesquisas, passou a usar tinta óleo, que cozida junto com a balata perde sua toxidade e permite o tingimento. Passaram quatro anos juntos e depois cada um seguiu seu caminho.

Conheceu Célia, mãe dos seus filhos, com quem iniciou uma nova fase. Na década de 80 começaram o novo negócio. Com Célia grávida do terceiro filho, assumiram uma casa velha com uma olaria abandonada que seis meses mais tarde seria sua. A primeira de três propriedades que ainda iria adquirir. De 1980 a 1994 foi o apogeu da cerâmica marajoara. Ensinaram muitas pessoas, chegaram a ter 24 funcionários. Deu cursos, palestras, mentorias em projetos para empresas como a ALBRAS, interligada a Vale do Rio Doce. “Aula eu dou mas a coisa é a sua paciência de ficar olhando. Tu não vai aprender se não ficar curioso. As vezes a gente chama uma pessoa para ajudar e ela acha que já sabe o suficiente para fazer a coisa toda. Na verdade a gente paga pra pessoa aprender.“ Doca e Celia não são mais casados mas ainda trabalham juntos. Ele mora na antiga casa, no andar de baixo permanece sendo sua loja.

Pelo sofrimento de não ter tido acesso à educação, optou por colocar os filhos apenas na escola. A filha se formou em engenheira de segurança e mora em Roraima. O filho Bruno, formado em computação é seu gerente comercial desde 2002.

“Foi o financeiro que me puxou. Cortei o pé em 1972 mais ou menos. Já se vão 55 anos de artesanato. Lembro que era dia de Natal, Dia de Ano, estava todo mundo comemorando e eu trabalhando pra dar de comer aos filhos no dia seguinte. Tive que parar de jogar bola, bilhar e entrar para cerâmica.”

Mestre Doca Leite / Crédito das fotos: Divulgação

Sobre o território

A arte marajoara representa a produção artística, sobretudo em cerâmica, dos habitantes da Ilha de Marajó, no Pará. Em Icoaraci, distrito próximo à cidade de Belém, a produção crescente – em quantidade e qualidade – a tornou no Brasil e exterior, polo de referência na reprodução de peças com inspiração marajoara. Ainda existem mais dois importantes polos: os municípios de Santarém e Ponta de Pedras.

A produção de cerâmica em Icoaraci teve início no final do século XIX com peças de uso cotidiano, como vasos e panelas mas a abundância do barro encontrado na região foi determinante. Em 1950, inspirado em fotos de livros antigos, o artesão Antônio Farias Vieira (Antônio Cabeludo) produziu a primeira peça ornamentada, a partir de uma fotografia de um vaso marajoara. Em seguida, o artesão Raimundo Saraiva Cardoso, conhecido como Mestre Cardoso, foi responsável pela introdução definitiva da cerâmica artística no artesanato de Icoaraci.

Uma visita ao Museu Paraense Emílio Goeldi nos idos de 1968 despertou seu interesse, que foi apoiado pelos pesquisadores da área de arqueologia Conceição Gentil e Mário Simões, o que permitiu seu livre acesso ao acervo arqueológico da instituição. Surgiu uma colaboração que perdura até hoje entre o Museu e os artesãos de Icoaraci.

“O relato que tínhamos da cerâmica marajoara se chamava Raimundo Cardoso.”

Doca Leite é um empreendedor, muito a frente do tempo. Modernizou os desenhos, as pinturas, imprimiu novas cores, sempre trabalhou em cima da opinião dos clientes. Entre os mais ilustres como Ana Maria Braga e Antônio Fagundes, Gloria Menezes passou cinco dias em
sua casa até conseguirem encontrar certa cor. Suas criações sempre guiaram outros artesãos, amigos do bairro. Nas inúmeras formações que participou aprendeu muito, ensinou ainda mais. “O Sebrae buscou designers para me ensinar os desenhos mas eu nunca usei. Eu que ensinei eles.”

É conhecedor do valor cultural de seu artesanato, como produto de divulgação do estado, apoio ao turismo, que aquece a economia. “Aos 76 anos e a única coisa que peço a Deus é que não me proíba de trabalhar. Ainda tenho esperança de aumentar nossas vendas e da gente ainda fabricar muito artesanato e continuar gerando emprego para as pessoas que quiserem trabalhar.”

Membros relacionados