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Memorial J. Borges


José Francisco Borges, natural de Bezerros (PB), foi um dos nossos mestres do cordel, um dos artistas folclóricos mais celebrados da América Latina e o xilogravurista brasileiro mais reconhecido no mundo.

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Bezerros – PE

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Sobre as criações

Literatura de cordel é um tipo de poema popular, impresso em folhetos. A origem vem da Renascença e trovadores medievais que cantavam poemas e histórias para a população não letrada. Com a impressão em grande escala, criaram os cordéis, que se difundiram expostos em barbantes, cordas ou cordéis. Com linguagem simples, popularizaram-se pelo Brasil por meio dos repentistas — violeiros que cantavam histórias rimadas e improvisadas de poetas populares. Tornou-se uma tradicional forma de narrativa no nordeste brasileiro, propagando tradições da região. Ajudou na criação e manutenção do imaginário popular e folclórico. Até hoje são importantes na preservação dos costumes regionalistas e incentivo à leitura nesses locais. Em 2018, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) reconheceu a literatura de cordel como patrimônio cultural imaterial do Brasil.

“A poesia de cordel é uma das manifestações mais puras do espírito inventivo, do senso de humor e da capacidade crítica do povo brasileiro, em suas camadas modestas do interior. O poeta cordelista exprime com felicidade aquilo que seus companheiros de vida e de classe econômica sentem realmente. A espontaneidade e graça dessas criações fazem com que o leitor urbano, mais sofisticado, lhes dedique interesse, despertando ainda a pesquisa e análise de eruditos universitários. É esta, pois, uma poesia de confraternização social que alcança uma grande área de sensibilidade”.

Carlos Drummond de Andrade

J. Borges, falecido em julho de 2024, foi um dos nossos mestres do cordel, um dos artistas folclóricos mais celebrados da América Latina e o xilogravurista brasileiro mais reconhecido no mundo. Criou figuras a partir das histórias e lendas populares, que impregnam o espírito do nordestino. Os temas mais solicitados em seu repertório são: o cotidiano do pobre, o cangaço, o amor, os castigos do céu, os mistérios, os milagres, crimes e corrupção, os folguedos populares, a religiosidade, a picardia, e o universo cultural do povo nordestino. Dentre todas as xilogravuras que já fez, a sua preferida é “A chegada da prostituta no céu”, feita em 1976.

Fonte: Jornal O Globo

Fotos de divulgação Artesol

Sobre quem cria

Nascido em 1935, começou aos 20 anos, pela escrita do cordel. Não fazia desenhos. Lá no interior onde morava, uma ou outra pessoa sabia contar histórias. Decidiu escrever seu primeiro cordel “O encontro de dois vaqueiros no Sertão de Petrolina”, em 1964. Mestre Dila, de Caruaru, ilustrou. Vendeu mais de cinco mil exemplares em dois meses e decidiu produzir as próprias gravuras para o segundo cordel: “O verdadeiro aviso de Frei Damião”. Na capa, uma igrejinha, primeiro cordel ilustrado por ele. Pegou um pedaço de madeira e talhou a primeira gravura. Deu certo, se transformou em capa. Amigos do cordel passaram a pedir ilustrações, matrizes por encomenda. Borges ilustrou seus mais de 200 cordéis ao longo da vida. Foi um autodidata, aprendeu tudo intuitivamente. Começou a vender as gravuras na feira em Caruaru e certo dia, um grupo de turistas comentou que adorava xilogravuras. Ele rapidamente anotou esse nome em um papel, guardou no bolso e chegando em casa foi investigar. Descobriu-se um xilogravurista. 

Foi descoberto por colecionadores e marchands como o artista plástico mineiro Ivan Marchetti (nome dado a um dos filhos) que dizia que só sairia de Pernambuco ao tornar J.Borges conhecido. Proporcionaram seu encontro com Ariano Suassuna que dizia que ele era o melhor da região. Passou a considerá-lo o melhor do Brasil e após uns anos afirmava que Borges era o melhor do mundo. E ajudaria a divulgá-lo. Convidaram jornalistas e veículos para entrevistá-lo, seu trabalho ganhou notoriedade e foi levado aos meios acadêmicos. J.Borges passou a chamar Ariano de “seu padrinho na arte”. O artista aumentou o tamanho das gravuras e o que inicialmente produzia apenas em preto, ele passou a colorir, com uma técnica que ele próprio inventou. Contou com a divulgação de uma importante galeria em Recife e nunca mais parou. 

Em pouco tempo, participava de exposições na França, Alemanha, Suíça, Itália, Venezuela e Cuba. Desembarcou em mais de dez países, deu aulas na França e EUA. Ilustrou livros no Brasil, França, Portugal, Suíça, Estados Unidos e capas de discos. Tem várias obras publicadas e segue recebendo prêmios e distinções, entre os concedidos pela Fundação Pró-Memória (Brasília, 1984), pela Fundação Joaquim Nabuco (Recife, 1990), pela V Bienal Internacional Salvador Valero (Trujilo/Venezuela, 1995), a comenda da Ordem do Mérito Cultural (Ministério da Cultura, 1999) e o prêmio UNESCO na categoria Ação Educativa/Cultural. Em 2002, foi um dos treze artistas escolhidos para ilustrar o calendário anual das Nações Unidas, com a xilogravura “A Vida na Floresta”. Em 1992 expôs na Galeria Stähli em Zurique na Suiça e no Museu de Arte Popular de Santa Fé, Novo México, entre outras no circuito artístico mundial. Em 2006, foi tema de reportagem no The New York Times, mesmo ano em que seu estado lhe outorgou o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, do qual recebeu apoio vitalício para salvaguardar e transmitir sua arte. O jornalista e compadre Jeová Franklin (padrinho do filho Bacaro) tornou-se um dos maiores, senão maior colecionador e pesquisador da xilogravura nordestina, com um acervo de mais de quatro mil peças. Outros apoiadores ajudaram sua obra a seguir amplamente divulgada. 

Sobre o território

José Francisco Borges nasceu e faleceu em Bezerros, Agreste Pernambucano, uma área de transição entre a Zona da Mata e o Sertão, de caatinga e mata atlântica, onde morou e manteve seu atelier e Memorial. Lá reúne obras e familiares que o ajudam na reprodução de gravuras que ele mesmo desenhava e gravava. A família se criou muito próxima, todos observando seu trabalho. Aos poucos iam aprendendo, cada um a seu modo e assim foi transferindo seu conhecimento. No ofício são cinco filhos do artista, um irmão, três sobrinhos, um primo e as noras junto a máquinas tipográficas que dividem espaço com centenas de matrizes, gravuras e folhetos de cordel. Mesmo com todo o alcance de sua obra, não teve ambição em reunir fortuna. Quis manter as obras acessíveis, para todos, “um empresário e um pedreiro”. Seguiu agradecido pelo encontro primeiro com o cordel, sua verdadeira paixão e que transformou a sua vida. “Sem o cordel não teria conhecido a gravura”. Um “matuto sonhador” como diz, que viajou o mundo todo sem saber falar uma língua diferente da sua. Não se intimidava, ia aonde fosse, falar das historias do sertão.

Fonte: Artesanato de Pernambuco / Cultura PE / Arte Popular Brasil 

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