Marta Kalunga
Marta faz cachecóis, echarpes, jogos americanos, bolsas e mochilas tecidas com algodão cultivado pelas mulheres kalunga e tingidos com plantas do Cerrado.
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Sobre as criações
Marta faz cachecóis, echarpes, bolsas, jogos americanos, bolsas e mochilas tecidas com algodão cultivado pelas mulheres kalunga e tingidos com plantas do Cerrado. Detalhes das peças, como botões e alguns fechos são feitos com sementes de jatobá.
Compra os novelos de algodão já fiados das mulheres kalunga, um povo tradicional quilombola do Cerrado brasileiro, que é guardião do bioma há mais de 300 anos e hoje é composto por descendentes de pessoas que já foram escravizadas. Marta compra os novelos de algodão já fiados e os tinge com as plantas do Cerrado, utilizando cabelo-de-nego, casca de abacate, sucupira, açafrão, urucum, casca de cebola e jenipapo.
Após tingidos, ela tece os fios de algodão no tear de pente liço, que tem dois suportes de pentes com suas proteções, um na parte dianteira do tear e outro traseira, e um pente com liços que corre no meio, entre os fios. Após a montagem da urdidura, que envolve passar os fios pelo liço – espaços com pequenos buracos no pente central, e encaixá-los nos pentes traseiro e dianteiro. Com a ajuda do batedor e da navete, a imaginação e criatividade possibilitam a mistura de diferentes fios e cores, criando assim padrões e tramas diversas.
A tecelagem com o algodão kalunga é um exercício de celebração dessa tradição dos povos do Cerrado, que requer tempo e paciência.
Sobre quem cria
Filha e neta de uma família de agricultores que plantavam algodão, entre outros víveres, Marta Faria da Silva é nascida em território Kalunga, em Cavalcante, no coração do centro-oeste brasileiro, próximo a Chapada dos Veadeiros. Quando criança, viu a avó e as tias cultivarem, colherem e fiarem o algodão, com o qual faziam mantas e redes de algodão. O tear, que carregava tanto encanto, ficava na casa da avó. Ainda menina mudou-se com os pais para outra fazenda, na qual o pai trabalhava cuidando do gado, que distava da casa da avó, perdendo assim contato com a tecelagem. A mãe, sempre ocupada com os cuidados da casa e dos 10 irmãos, não repassou a ela os saberes da tecelagem. Marta conta que desde essa época observava com estranhamento a diferença de tratamento dado ao trabalho das mulheres e dos homens.
Marta cresceu, e durante anos alternou períodos entre Cavalcante e Brasília, até que retornou para Cavalcante em 2018. Abriu um hostel, com dois quartos para receber visitantes e turistas. Abriu uma lojinha na qual expunha produtos produzidos pelas mulheres kalunga da região: polvilho, farinha, castanha de baru, entre outros. O hostel vingou até a chegada da pandemia, quando o movimento dos turistas parou. Nesse momento, o tear voltou a sua vida, pediu a uma vizinha que tinha um tear de pente liço para ensiná-la.
“Ela me ensinou uma vezinha só, da primeira vez saiu meio torto, e aí fui me adaptando, me entregando, fui entendendo. E hoje trabalho com tear de pente liço”.
Fazia cachecóis, echarpes, bolsas e mochilas com linhas compradas, mas logo percebeu que queria trabalhar com o algodão que conhecia na infância, o algodão cultivado e tratado pelas mulheres kalunga. Aprendeu em vivências a tingir o algodão com as plantas do cerrado e passou então a tingir o algodão kalunga que usa na produção de suas peças.
Marta é uma artista de muitas facetas: articuladora, criou a Casa Memória da Mulher Kalunga em 2022, na qual ministra e recebe cursos, formações e visitantes. Busca agregar as mulheres de sua comunidade, ensiná-las o tear. Além disso, é produtora, atriz e cineasta, já atuou e produziu dois documentários. Um deles é “Marta Kalunga”, e outro chama-se “Meada Cor Kalunga”, sobre o tingimento natural das linhas Kalunga, lançado em 19 de março de 2023. Criaram o Cine Lió Mãe Preta, em homenagem a tia-avó de Marta, que tanto a incentivou a perseguir seus sonhos. O Cine é itinerante nas comunidades Kalungas de Cavalcante.
No espaço da Casa da Mulher Kalunga há teares voltados para oficinas de tecelagem e produção de peças. Marta conta que ainda é um desafio mobilizar as mulheres kalunga para as oficinas. Ela pretende dar oficinas para as escolas da região e quer produzir roupas, mais especificamente as roupas tradicionais do povo kalunga.
Continua tecendo, com muita generosidade e força, as linhas que ligam suas origens como mulher kalunga ao fortalecimento do seu povo através da arte e da cultura.
Sobre o território
O território Kalunga abrange áreas dos municípios goianos de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás, na região da Chapada dos Veadeiros. Conta-se que os Kalunga ocupam o território há mais de 200 anos, composto por ex-escravizados que buscavam liberdade. O povo kalunga produzia para a própria alimentação, construía suas casas de pau-a-pique e fazia as próprias roupas, plantando, processando e tecendo o algodão. Até hoje os kalungas mantém uma relação de respeito e preservação com o Cerrado, produzindo seus víveres e extraindo de maneira sustentável óleos, castanhas e outros frutos para comercialização e subsistência das famílias. Os produtos são vendidos em feiras e espaços de comercialização na região, atendendo a população local e aos turistas.
O quilombo Kalunga é atualmente o maior território quilombola do país e estudos recentes divulgados na plataforma MapBiomas (2023) apontam que o território Kalunga tem cerca de 80% de área preservada de Cerrado, ao passo que o restante do estado do Goiás tem apenas 30% do bioma preservado. O agronegócio, voltado à monocultura de soja, e as queimadas colocam em risco a preservação do cerrado, bioma que é muito importante para a regulação do clima no país, conectando a Amazônia, a Caatinga, o Pantanal e a Mata Atlântica.
Por isso, o povo Kalunga têm um papel fundamental como guardiões do Cerrado e, em 2021, seu território foi reconhecido por um programa ambiental da ONU como o primeiro Território e Área Conservada por Comunidades Indígenas e Locais (Ticca) no Brasil.
A Casa Memória da Mulher Kalunga, administrada por Marta Kalunga, fica em Cavalcante/GO, é um ponto de memória reconhecido pelo Instituto Brasileiro de Museus. É composto por um a espaço para oficinas, lojinha, e uma área com os teares. Na Casa também realizam celebrações religiosas e eventos culturais, como o Cine Lió Mãe preta. Marta sonha em tornar a Casa um ponto de cultura para potencializar sua atuação com o povo kalunga da região e fortalecer as mulheres de sua comunidade.