Mestre Domingos do Congo
Com mais de meio século devotado a um ofício ancestral legado pelos negros, Mestre Domingos segue honrando a tradição, produzindo objetos singulares no toque e no formato, tal e qual antigamente.
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Sobre as criações
Cabelo do índio, cobrindo a orelha, e o rosto do negro. Assim é a casaca tradicional. Instrumento de percussão de mão herdado pelos povos trazidos da África, oficializado como primeiro patrimônio imaterial do Espirito Santo. Incorporado a nossa cultura, hoje ajuda a dar ritmo ao Congo, uma das manifestações mais marcantes da cultura capixaba.
Os indígenas nativos já o conheciam, chamavam-no de gança, ganze, ganzá, reco-reggae e caracaxá. Era o mesmo instrumento, mas sem a cabeça esculpida, feito apenas com bambu. Porém, a partir do século XIX o povo africano trouxe o instrumento de cabeça pintada, pra fazê-lo à semelhança do senhor de engenho. Tinha um capuz de pano apertando o pescoço. Um recurso usado para personificar agressividade.
“Meu avô falava que os negros confeccionavam rostos dos senhores de engenho. Raspava-se as costelas do bambu, como se fossem as costelas do senhor. Diziam: mais, mais, mais, enforcando o senhor de engenho”. E a música que entoavam falava: “Vou raspar suas costelas pra te dar dor de barriga. Vou apertar o seu pescoço pra te enforcar”.
Sobre quem cria
Mestre Domingos do Congo começou confeccionando instrumentos de jongo para a folia de reis, aos onze anos de idade, no município de São Mateus (ES). Pouco tempo depois, quando retornou à Serra, sua cidade natal, ingressou no Congo, produzindo reco-reco. Aos poucos foi transformando a designação reco-reco na popular casaca. O avô e o pai, todos eram artesãos. Produziam artesanato para a Folia de Reis, para o Jongo e o Congo. Mas ele não deixa de homenagear Mestre Antônio Rosa (falecido em 1999) como grande mestre, com quem aprendeu e trocou muito.
“A minha vida toda foi instrumento. As vezes eu saía de caminhão quando a arte fracassava um pouco (não garantia a sobrevivência), mas nunca parei. Nós sobrevivemos”. Com mais de meio século devotado a um ofício ancestral legado pelos negros, Mestre Domingos segue honrando a tradição, produzindo objetos singulares no toque e no formato, tal e qual antigamente.
Teve papel fundamental no movimento de disseminação e formação de muitos mestres serranos lá no início, em meados dos anos 2000, colaborando com a Associação das Banda de Congo da Serra, que mantém esse trabalho até hoje e dá suporte a todas as bandas no município. Liderou projetos de aprendizado e rompeu com o tabu da hegemonia dos homens no ofício. Orgulhoso, afirma: “Hoje já existem mestras do Congo”. Ainda monitora oficinas e alunos, alguns já mestres em monitoria a outros alunos, todos garantindo a conservação de um saber e fazer tão significativos.
Sobre o território
O Congo, mais importante manifestação da cultura popular tradicional do Espírito Santo que hoje conta com um número expressivo de 65 bandas, tem no município de Serra um dos seu berços. Apresenta-se também no Nordeste e em outras regiões do Sudeste do país, mas o Congo capixaba se difere pois além dos tambores, que imprimem o ritmo forte, é marcado pela casaca. Enquanto a folia de reis é a expressão própria de Muqui, na região metropolitana de Vitória a tradição é o Congo. Só no município da Serra existem 22 bandas. Nas bandas dos quilombos nota-se que seus integrantes tocam o tambor frequentemente sentados, apoiados no chão. São grupos mais restritos, afinal era uma tradição em quilombos – que eram áreas de acampamento, portanto organizavam-se de forma a permitir agilidade. Já os que são dos movimentos mais localizados à beira da praia tocam grandes grupos, à beira mar. Diz-se ser um Congo mais “colonizado”.
Quando parados, os congueiros se sentam nos tambores e formam um círculo; quando em movimento, os tambores são dependurados por alças apoiados nos ombros. O sincretismo entre indígenas e negros passou a ter São Benedito como santo de devoção. As atrações da Festa de São Benedito em Serra estão presentes no calendário desde 1836. Em certo momento, fiéis buscam o navio Palermo, que é uma réplica do navio negreiro feito em cima de um carro de boi, todo iluminado, cujo nome homenageia a cidade onde São Benedito viveu os últimos anos de vida, na Itália.
Em uma festa de caráter pagão-religioso, o Congo é um grito de libertação e a casaca é o carro chefe.