A Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Nando de Zezinho


José Fernando Marques da Silva é herdeiro da valiosa tradição aprendida com seu pai, mestre Zezinho. Alia à tradição sua vocação criativa inovadora que o provoca a imprimir uma estética contemporânea e elegante às criações, sem deixar de honrar o legado do pai e de tantos outros mestres conterrâneos.

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Sobre as criações

Foto de divulgação Artesol

O lugar que é o berço pernambucano do artesanato feito em barro, terra de vários dos maiores artistas populares do Brasil nessa arte, é também território de feitio de santos, panelas, utilitários em geral e peças figurativas das mais diversas assim como tantos outros objetos possíveis com esse material tão permissivo e cotidiano. Assim denunciava um de seus maiores artistas, Mestre Nuca, falecido em 2014: “Em Tracunhaém ou barro vira santo ou vira panela”.

Transgredir essa sentença que carrega a tradição e a transmissão do manuseio do barro desde os tempos coloniais, não é uma tarefa fácil. Algo que o artesão Nando foi construindo aos poucos. Das imagens sacras que criava influenciado pelo estilo do pai, Mestre Zezinho, um dos precursores desse legado, saltou para a releitura das pinhas, peças decorativas usadas nas áreas externas das casas pelas famílias mais privilegiadas no período colonial para demonstrar riqueza. Com uma estética inteiramente renovada, as obras invadiram o universo da decoração em meados dos anos 2000 e hoje compõe lugar de destaque em mesas e salas compartilhando sofisticação com outras peças de arte, assim como a escultura “família”, outra de suas obras mais recentes. “O pai começou lá atrás com os santos, ele fazia todo tipo de peça: fazia santo, camponês, animal, fazia muita coisa! O pai era muito criativo! Tem muita obra que ele criava. Muita muita muita. E muita peça que eu acho que eu nem conheço de tanta que ele fez.”

Preocupado em manter os modos de fazer tal e qual o pai, Nando optou por manter o processo primitivo do modo de fazer. “Não colocamos máquina aqui pra não mudar aquilo que meu pai começou. Ele começou pisando o barro, cortando com a inchada a lenha, tudo manual.” Esculpidas à mão, e fruto de um trabalho intenso que se inicia no preparo do barro passando pela modelagem, secagem, queima e pintura das peças, Nando segue seguro como herdeiro dessa valiosa tradição mas à vontade com sua vocação criativa inovadora que o provoca a imprimir uma estética contemporânea e elegante às criações, sem deixar de honrar o legado do pai e de tantos outros mestres conterrâneos.

Sobre quem cria

Foto de divulgação Artesol

José Fernando Marques da Silva, mais conhecido por Nando de Zezinho, começou na arte do pai desde muito pequeno. “Com 4 ou 5 anos, por aí, era pirralho mesmo. Bagunçava muito, era muito bagunceiro lá no atelier e já a turma que trabalhava com o pai na época dizem que eu era pimenta mesmo. Corria pra cá e pra lá, quebrando uma peça, quebrando outra e de repente fui pegando gosto por aquilo ali.” Filho do ceramista Zezinho de Tracunhaém, que fez da arte santeira a sua expressão maior, tornando-se um dos mais importantes artistas populares do Brasil, Nando herdou o rigor e perfeccionismo do pai. “Minha primeira peça fiz e não gostei, quebrei. E continuei a fazer”.

Dos nove filhos, sete deles trabalhando com o barro, Nando foi quem assumiu a responsabilidade pela continuidade da obra do pai. Junto com ele e o irmão Zé Carlos (Carlinhos), trabalham a mãe Maria Marques da Silva (que ainda produz algumas peças), os filhos homens, a irmã Angela (que Nando incentivou) e Andrea. Com a demanda por encomendas aumentando a cada dia, a tradição segue sendo transmitida para as gerações mais novas. O sobrinho Jonatas (filho de seu irmão) é o mais recente aprendiz e já domina a arte de aplicar os “bicos” da pinha, segredo que nem todo mundo pode saber. Seu filho é o próximo a ser introduzido na lida do barro. “Vem muita criança aqui, da escola, eles vem tudo de uma vez só. Veem o processo de produção das peças, vêem a queima, vêem o processo de pisar o barro, de catar o barro. Eu quero também passar isso pra outra geração pra que isso não morra, para que o que ele começou lá atrás com muita coragem possa ter continuidade e quando eu morrer, quando o outro morrer, isso possa ter continuidade.”

Sobre o território

Foto de divulgação Artesol

Tracunhaém, terra do barro. Testemunha do florescimentos de alguns dos maiores artistas populares do Brasil. Uma pequena cidade localizada na Zona da Mata, à cerca de 72 Km de Recife, que abrigou muitos dos nossos mestres ceramistas como Mestre Nuca, Maria Amélia da Silva, Zezinho de Tracunhaém, Lidia Vieira. A importância da atividade na economia do município é tamanha que representa uma das principais fontes de renda para muitos moradores, junto ao cultivo da cana-de-açúcar.

Um lugar onde as feiras de trocas garantiam a saída da produção da cerâmica utilitária pela chegada do arroz, feijão, e outros mantimentos. Até a década de 1940 quando a arte figurativa ganhou seu lugar ao sol e os artesãos passam a criar esculturas, imagens religiosas, bonecos, figuras humanas e bichos e a cidade se transformou em um dos principais pólos ceramistas do Brasil. “Imagine uma cidade pacata que tem 13 mil habitantes mas que antes tinha bem menos. Era troca-troca de uma coisa com a outra, não tinha essa diversidade de peças, a qualidade de peças e o pai começou a mudar essa cara. Hoje Tracunhaém tem uns 400 ou 500 artesãos ou até um pouco mais. E saber que o pai, lá atrás, teve coragem de iniciar tudo isso, mesmo sem saber nem ler nem escrever, é muito importante.”

Artesão e empreendedor dedicado, Nando segue em seu atelier ao lado do irmão Carlinhos zelando pelo nome do pai garantindo as entregas em dia, o acabamento impecável e a qualidade que Mestre Zezinho não deixaria jamais passar em branco. “O pai passou tudo o que a gente sabe hoje. Na verdade, o que a família hoje é, deve ao meu pai, um guerreiro. Se você pensar: um camarada que mal sabe assinar o nome, um camarada que pra pegar um ônibus ele só pegava porque ele era muito desenrolado pra essas coisas, mas ele não sabia ler nem escrever, chega em Tracunhaém e com o barro muda a história dele, a historia da família, e muda a história de uma cidade. Um homem que não sabia ler nem escrever que morreu como mestre. Sem ir numa faculdade, sem ir numa escola.”

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