Nen
Nos dias de maré bem baixa, Nen e seu aprendiz Luca saem às quatro horas da manhã em silêncio para buscar madeiras mortas no mangue.
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Sobre as criações
Nos dias de maré bem baixa, Nen e seu aprendiz Luca saem às quatro horas da manhã em silêncio para buscar madeiras mortas no mangue. O horário é estratégico não só para aproveitar o período de águas baixas, mas também para evitar o encontro de conhecidos.
“Eu sou chato, ele já sabe que eu não gosto de conversar nesse momento. Com conversa a cabeça não fica boa e a inspiração não vem”, conta Nen se referindo a Luca.
Na praia, pegam uma jangada e vão para o mangue, onde se separam e começam a buscar materiais. É com a brisa do mar e o calor do sol que se sentem inspirados. O ato de criar começa assim, com olhar atento. Juntam tudo que encontraram na jangada e vão embora, às 7 horas da manhã.
Quando tiram as peças da jangada para carregar o carrinho, pensam como elas podem se juntar. A conversa enfim tem início: “que peça bonita!”.
Os pedaços de madeira morta recebem um rigoroso tratamento. São lavadas para tirar a lama, o sal, as ostras e os caranguejinhos e secam ao sol. Depois de secas, começam a ser trabalhadas para revelar o que já oferecem a ele. Com diversas ferramentas, Nen entalha cadeiras, bancos, mesas, luminárias e objetos de decoração. Mas confessa que, às vezes, o trabalho é compartilhado: “tem peça que o cupim trabalhou para nós”.
O recolhimento das peças do mangue tem um tempo próprio, ritmado pelo movimento das águas. Nas garimpagens encontrou uma peça que era interessante só por sua forma. Durante dois anos esperou a maré alta e a maré baixa cavá-la para ele. Só com a ajuda de Luca conseguiu levantá-la para a jangada, pois pesava mais de 100 quilos.
Além das madeiras encontradas no mangue, Nen também utiliza antigas canoas para fazer suas cadeiras. Algumas têm mais de cem anos e são parte da história de Barra de Santo Antônio, que já viveu da pesca e da carpintaria naval.
Sobre quem cria
Filho de um carpinteiro que fazia jangadas e outras embarcações com madeiras recolhidas no mangue, Adeildo Gomes dos Santos ganhou o apelido de Nen ainda criança, para diferenciá-lo de seus onze irmãos. Com sete anos fazia seus próprios brinquedos e aos nove sentiu a necessidade de trabalhar. Com quatorze anos já era quase marceneiro e, mais tarde, tornou-se mestre em carpintaria, dedicando-se a construir barcos artesanais.
Mudou-se para São Paulo em 1991, onde ficou até 1997 trabalhando como mestre de marcenaria. De volta a Alagoas, encontrou o fotógrafo Celso Brandão e trabalhou de 2000 a 2018 fazendo consertos e restaurações em peças de mestres e artesãos de sua coleção de arte popular. Restaurou peças de Zé do Chale, Seu Fernando e Véio, sem “mexer nas assinaturas”. Aprendeu e se apaixonou por arte convivendo com essas obras.
Um dia ouviu de Celso Brandão que era hora de andar com as próprias pernas. Em 2019, Brandão produziu a exposição “Pepitas populares – Coleção Celso Brandão”. Nen participou da mostra com 20 cadeiras, junto a grandes nomes da arte popular brasileira, e recebeu do fotógrafo a alcunha de “ebanista à beira-mar”. Desde a exposição, produz suas peças para vender. Tem um ateliê próximo à praia e uma galeria na principal rua da cidade.
Para Nen, o artesanato é um trabalho feito com amor, que só traz coisas boas. A fonte de sustento de sua família é o artesanato: Carla, sua esposa, é artesã e cuida da galeria. Jaíne, sua filha, trabalha em lojas colaborativa onde suas peças são vendidas e administra as redes sociais.
Sobre o território
A região de Barra de Santo Antônio começou a ser colonizada no século XVII por holandeses. O município tem cerca de 14 mil habitantes e é cortado pelo rio Santo Antônio Grande. No passado, as principais atividades econômicas eram a carpintaria naval de pequenas e médias embarcações, a pesca e a mineração de pedra calcária. Atualmente, tem grande vocação turística, com suas belas praias, arrecifes e piscinas naturais.