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Sobre as criações
Viola-de-Cocho é um instrumento musical de forma e sonoridade singular, produzido na região da bacia do Rio Paraguai. O nome deve-se à técnica de escavação da caixa de ressonância da viola em um pedaço de madeira; mesma utilizada na fabricação dos recipientes para alimentar o gado. Nesse cocho, talhado no formato de viola, são afixados o tampo e outras partes do instrumento, como cavalete, espelho, paiêta, rastilho e cravelhas. Diziam que teve origem na cultura indígena – que seus instrumentos eram batidas de som pra se comunicarem, e a madeira “dava som”. Então usavam pra chamar a criação, batiam o cocho. É produzida de modo artesanal. Tradicionalmente, com matérias-primas da fauna e flora pantaneira e cerrado, a partir de uma relação harmoniosa e consciente dos artesãos com o meio ambiente. As preferidas são a ximbuva e o sarã-de-leite mas são utilizadas também mangueira, o cedro rosa e o cajá-manga.
A viola é usada principalmente por músicos das camadas populares em festividades locais e divertimentos tradicionais: dias santos, casamentos e aniversários, pagamento de promessas. Fundamental nos gêneros musicais cururu e siriri, cultivados em manifestações culturais ligadas à religiosidade e à brincadeira. Nas cantorias, há sempre uma roda de cururu composta de um grupo de homens que dançam em círculo e tocam violas-de-cocho e ganzás. Os cururueiros reconhecem o fabricante de uma viola-de-cocho por características e marcas artesanais que a individualizam. A afinação é feita de ouvido, sem instrumento ou diapasão. O modo de fazer a viola de cocho é considerado pelo Iphan como patrimônio cultural imaterial mas o risco iminente de desaparecimento, pela idade avançada dos únicos detentores dos saberes e modos-de-fazer, pede urgência em ações de salvaguarda. Pela finalidade e público muito específicos, os canais de comercialização são restritos, e frágeis, dificultando sua difusão.
Minha viola chora prima
Minha viola chora prima
E a prima chora bordão
Mas dia, eu gosto dela
(Toada de Cururu)
Eu tenho minha viola
Pra tocar o siriri
Ai, toca ganzá
Ai, toca tamboril
Toada de Siriri
Sobre quem cria
Sebastião de Souza Brandão nasceu no berço dos “cururueiros”. “Na minha família isso já veio do meu avô, acho que desde meu tataravô, que já era cururueiro. Então desde o berço, desde que me entendi por gente, eu tô no meio do cururu”. Aos oito, dez anos já fazia viola pequena de talo de guacari, junto com os primos, toda a família. Fazer viola era uma brincadeira. Aos dezesseis anos, ele começou a trabalhar como músico, depois ficou dezenove anos na ferrovia. Se aposentou e hoje só “mexe” com viola, com orgulho, mas preocupa-se com o risco que esse modo de fazer corre nos nossos tempos: “Foi criando cidade, foi tudo virando cidade, dai entraram nesse tal de modernismo”.
Apenas com ensino fundamental, ele é hoje um artista reconhecido. O Ministério da Cultura lhe outorgou o título de mestre do saber com o Prêmio Culturas Populares, ganhou prêmios, entre eles o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade promovido pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) por “iniciativas de excelência em gestão compartilhada do Patrimônio Cultural”. Já viajou muito, compartilha seu conhecimento em oficinas pela Funarte, Iphan, UEMS, no Festival América desde 2010 e recebe alunos do mundo todo em busca de seus saberes. Concede entrevistas, palestras e participou de muitos projetos, incluindo um curta metragem chamado “O trem fantasma e a viola de cocho” através do projeto Revelando os Brasis. Aos 75 anos, Seu Sebastião segue em pleno vigor: “Se você olhar moça a quantidade de madeira que eu tenho aqui na minha frente nem ia acreditar quanta viola eu ainda quero fazer”.
Sobre o território
O município de Ladário tem sua história intimamente ligada a cidade vizinha Corumbá, no coração do Pantanal sul-mato-grossense. É nesse cenário que Seu Sebastião trabalha em seu quintal. Sempre aproveita toda madeira que encontra pela cidade quando é realizado o corte de alguma árvore. Tem madeira ximbuva, “orelha de velho”, sarão, e imburana. Outra é a seriguela, mais fácil pra manejo e tem também o cedro. Tem um acervo de violas com mais 50, 60 anos, relíquias. Mas teme pelo futuro. “Queria deixar isso para outros, porque vou ficando velho e quero deixar pra alguém seguir, continuar isso pra frente”.
Fonte: IPHAN / Diário Online /
Saiba: “O trem fantasma e a viola de cocho” Projeto Revelando os Brasis