A Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Dinoélia Trindade


Dionélia Trindade é de uma família de rendeiras em Saubara, recôncavo baiano. Hoje, mora em Dias d’Ávila, onde borda a continuidade de uma tradição dos tempos da avó e da mãe, a renda de bilro.

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Dias d’Ávila – BA

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Sobre as criações

Crédito da foto: Theo Grahl

Dionélia Trindade é de uma família de rendeiras em Saubara, recôncavo baiano. Borda a continuidade de uma tradição dos tempos da avó e da mãe, a renda de bilro. Abacaxi, cocadinha, não-me-deixe, mata-fome, coração, palma, ziguezague, trança, margarida, trocadinho, aranha e escadinha-de-cupido são alguns dos afetivos nomes dos pontos. Sabe-se que desembarcou do lado de cá trazida por mulheres portuguesas e tornou-se tarefa das moças de fino trato nas fazendas no período colonial. Foi incorporada culturalmente e difundida nos nossos litorais e sertões, onde as mulheres teciam para distrair o espírito enquanto os maridos pescadores se lançavam ao mar. O zêlo e a ternura que elas devotam ao fazer, debruçadas sobre almofadas, é notado no gesto miúdo de “agasalhar” a renda com um pano quando interrompem o tecer. Finalizada, é gentilmente reservada para permanecer impecável.

Para tecer, são necessários almofada (acomodadas em uma espécie de cavalete e forradas com chita), bilros, desenhos, alfinetes (adaptados de espinhos de mandacaru), linha e muita paciência. Ânimo e mansidão. Virtudes escassas em tempos modernos. O primeiro passo é enovelar os fios na haste dos bilros. O papelão com o desenho é fincado sobre a almofada. Dá-se início a complexa etapa de tessitura. O número de bilros varia mas apenas quatro são usados simultaneamente. O ameaçado ofício se perpetua pelas mãos insistentes dessas mulheres que, mesmo com adversidades, perseveram. Uma luta árdua como o próprio feitio da renda.

“É como a trama da renda da terra,
Que a rendeira rebate e retorce e
pontilha os espinhos,
Na ânsia de endurecer a graça
petulante de uma traça,
no afã de alinhar mais o trocado
do ponto de filó,
e sai tão fina, tão delicada,
tão perfeita,
que vocês, meus irmãos do Sul,
mandam buscá-la aqui, na
barraquinha anônima das várzeas,
para ostentá-la, depois,
no meio do seu luxo…”

Renda da terra – Rachel de Queiroz

Sobre quem cria

Crédito da foto: Theo Grahl

Para Dionélia, o ofício veio através da mãe, grande rendeira que criou os filhos e viajou para vários países através da arte, que aprendeu com a avó. Sua tia faz parte da Associação de Artesãs de Saubara. Tudo que Dionélia testemunhou despertou a teimosia em perseverar nessa arte. Adolescente, mudou-se para Salvador, depois Dias d’Ávila, o que a distanciou da renda mas fortaleceu o desejo em aprofundar seu conhecimento, investir e manter viva a herança da família. Voltou a assumir o ofício da renda na nova localidade e liderar sua transmissão e multiplicação na comunidade. 

Dionélia é hoje instrutora no SESC, em Salvador, onde dá aulas e outras formações. Participa de feiras nacionais e internacionais, expôs em Paris pela rede da Economia Solidaria, participa da Fenneart, considerada a maior feira de artesanato da América Latina, e muitos eventos no Brasil. Em 2018, o governo do estado, através do PAB (Programa do Artesanato Brasileiro) conferiu a ela o titulo de mestra artesã, reconhecendo a atividade de grande relevância pra sua comunidade, para o Brasil e o mundo. A renda lhe trouxe reconhecimento e respeito, mas também a garantia da sustentabilidade financeira da família, algo improvável para um artista popular no Brasil. Movida pelo desejo de preservar a tradição da família, Dionélia sabe, especialmente, da importância de salvaguardar essa técnica secular. 

Sobre o território

Dionélia é nascida em Saubara, terra de praias, falésias, manguezais, rios e cascatas, legado da Mata Atlântica. Mas foi na capital do estado, Salvador, que ela passou a fazer parte do movimento de economia solidária, expor produtos em eventos e participar de processos de capacitação. Em 2004, muda-se para Dias D‘Ávila, região metropolitana de Salvador onde a chegada do Pólo Industrial de Camaçari em 1978 alterou as característica do local que passou a servir como cidade dormitório, habitada por uma grande massa de trabalhadores. A cidade tinha índices de violência muito altos e muitas mulheres negras fora do mercado de trabalho. Dionélia se deu conta da responsabilidade em transmitir seu valioso saber para aquela comunidade. Observou que as pessoas sabiam produzir trabalhos de todo tipo mas não sabiam se organizar, difundir e escoar seus produtos. Criou a Associação Rendavam, com dois objetivos principais: capacitação e formalização. Buscaram parceria com a Economia Solidária, Instituto Mauá, Sebrae, CETRI e adquiram capacitação, alguns equipamentos e passaram a participar de editais. Em um deles foram aprovados. Sem outra orientação ou segmento profissional, as pessoas foram capacitadas como instrutoras para multiplicarem os conhecimentos adquiridos e ensinarem através do projeto Associação Nosso Bordado. Hoje atuam com a renda de bilro e mais tipologias, ensinando gratuitamente o fazer da renda. Há pouco incluíram o curso de renda de bilro no programa de duas escolas municipais. Um feito histórico. 

Seus planos de futuro são, alguns grandiosos, outros bastante modestos para uma mestra de ofício: aumentar a capacitação, a produção, implementar uma escola de renda na comunidade e criar o museu da renda em Dias d’Ávila.

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