A Rede Artesol - Artesanato do Brasil é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Mestre Mito


Uma arte de cerne popular, ditada pelo povo. Assim o escultor pernambucano Mito percebe seu trabalho. Tudo em sua arte busca desfazer o retrato do Nordeste sofrido, para dar espaço e impulso aos traços de alegria que compõe esse povo.

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Paulista – PE

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Sobre as criações

Uma arte de cerne popular, ditada pelo povo. Assim o escultor pernambucano Aldemir Elias do Nascimento, Mestre Mito, percebe seu trabalho. A inspiração que vem das pessoas comuns, dos lugares costumeiros, do nordestino, que retrata a cultura local, traz à tona figuras populares como lampião, maria bonita, cangaceiros e tocadores, e cenas usuais no cotidiano, como brincadeiras de infância. As cores, os vestidos, as estampas, tudo busca desfazer o retrato do Nordeste sofrido, da seca e da fome para dar espaço e impulso aos traços de alegria que compõe esse povo, que sabe tirar proveito do caráter festivo para enfrentar com criatividade e bravura uma realidade desafiadora.

“Quando se fala do nordeste se fala muito de sofrimento (da seca, da fome) e meu trabalho traz alegria. Ele retrata o lado alegre do Nordeste.”

Moças, rapazes, crianças, famílias inteiras de personagens cheios de cor e motivos, alguns se prestando ao gentil papel de banquinhos encantadores, outros assumindo seu lugar de destaque na decoração da casa.

Sobre quem cria

Aldemir Elias do Nascimento é pernambucano. Nascido em Recife, aprendeu o ofício de artesão em Olinda – onde passou toda infância e juventude – com o mestre Gilberto Carcará fazendo trabalhos com a casca do cajá, tradicionais na região. Ainda adolescente, com quatorze anos, começou esculpindo pequenas bijuterias para ajudar na produção de peças criadas pela esposa de Gilberto, também artesã, diante de um aumento repentino de demanda. Na época ele já era um escultor experiente e, aos poucos, Mito foi passando a ajudá-lo na execução de suas esculturas. E foi na madeira que se encontrou: “No processo de criação a madeira ajuda a criar, é como se ela falasse o que quer que eu faça com ela”. Trabalharam juntos por cerca de sete anos e então Mito sentiu que era o momento de se descobrir sozinho. Reunindo pedaços de madeira de demolição que encontrava pela rua, passou a experimentar a criação de pequenas peças. Foi se aprimorando, conhecendo outras ferramentas, mas permanecia em busca de uma identidade. “Ainda estava na sombra do que Gilberto fazia”.

Foto de divulgação Artesol

Aos 16 anos mudou-se para a cidade de Paulista, região metropolitana de Recife, e seguiu em seu processo autoral de criação e reconhecimento. Na busca por resultados financeiros mais sólidos, ocupou-se com outras atividades, fez do tempo um aliado. Até que, em 2013, aos 36 anos, teve a oportunidade de sua primeira participação na Fenearte, a maior feira do setor na América Latina. Precisava retomar, desenvolver outras propostas e aos poucos passou a esculpir figuras humanas, cenas do cotidiano, surgiram peças utilitárias, e então veio a ideia do primeiro banco quando decidiu acrescentar o assento em uma das suas criações. Encontrou, naquele momento, sua marca registrada, que o passou a lhe render, enfim, visibilidade e mercado. Grande parte do material utilizado por Mito é recolhido pela região. Ele se utiliza de árvores mortas, tombadas, raízes e madeiras descartadas, de demolição, fazendo um trabalho de coleta nas ruas e nos lixos. “É uma madeira marcada mas muito útil.” Outra parte do material é comprada de fornecedores certificados. Utiliza essencialmente a massaranduba, a jaqueira e o jatobá. Por último o cipó caboclo, uma fibra vegetal natural que dá forma aos delicados braços de cada um de seus personagens”, que Mito coleta seco. “As partes que secam caem e eu pego. Às vezes ele rama do chão mesmo. Esse cipó tem que ter um controle você não pode ir tirando. Tudo o que é verde a gente não toca em nada.” O artesão também utiliza a quenga de côco para produzir a saia de alguns dos bonecos, um material disponível em Olinda mas que só os percebeu agora. “Muitas vezes via esse material sendo destruído, queimado, sub-aproveitado. Comecei a aproveitá-lo nas peças.

Fotos de divulgação Artesol

Praticamente todo seu trabalho é manual, com uso de formão e batedor para lapidar e uso de equipamentos de corte apenas em algumas fases. Dentro do processo produtivo, Mito utiliza os próprios refugos resultantes do entalhe em outras criações – uma de suas peças é fruto desse reaproveitamento: uma boneca sentada de braços abertos pedindo um abraço. Ao cortar o assento dos bancos sobram quatro pontas (triângulos) que são transformadas em quatro outras peças. “A gente dá só as cavacos e coloca os braços.” Mito não desenha. Com a madeira e as ferramentas em mãos, sai criando. “Já está na mente.” Após esculpir dá o acabamento manual com a lixa e a esposa realiza a pintura com tinta acrílica. Por último aplicam a proteção do selador fosco. Em um pequeno núcleo familiar de produção se orgulha do filho já estar aprendendo o oficio.

Sobre o território

Foto de divulgação Artesol

Pernambucano nascido em Recife, criado em Olinda e morador de Paulista, Aldemir Elias do Nascimento é um nordestino da gema. Nutrido pelo rico repertório cultural que o Estado exalta e preserva ele foi se moldando. E assim, suas peças. A participação inaugural na Fenearte (em Recife) em 2013 foi a provocação necessária para ele encontrar sua arte e consolidá-la nos anos seguintes. Conquistou o país com encomendas de consumidores e lojistas que absorvem praticamente toda sua capacidade produtiva. Mais tarde o mundo.

Através da conceituada feira de Recife, foi premiado em 2017 com o primeiro lugar em um Salão de Arte Popular na Holanda na categoria de obras em madeira. A convite da arquiteta Roberta Borsói já foi convidado a integrar o espaço Janete Costa – um divisor de águas em sua trajetória – após ter participado da Casa Cor Pernambuco, onde algumas de umas criações distribuíram cor em um dos ambientes decorados, também a convite dela como Curadora do Centro de Artesanato. “Hoje vive melhor, sobrevive do trabalho com a arte.”

As vendas acontecem em sua casa/atelier mas também nas redes sociais, onde começou de forma acanhada e alcançou uma grande proporção comercial. Mantém, nos fundo da casa, um espaço de produção bem organizado. Quando prontas as peças se mudam para a sala a frente, onde recebem pintura, acabamento final e se exibem no espaço que foi pensado e reservado para receber visitantes, amantes do artesanato brasileiro. Mito também tem peças expostas no Centro de Artesanato Marco Zero, em Recife, uma importante referência para o segmento. Esculpindo madeira há mais de 25 anos, Mito segue criando, confiante de que há muito o que conquistar e que os tempos difíceis pela falta de reconhecimento e o preconceito por um trabalho dito para preguiçosos ficou para trás. “Eu nunca desisti. As vezes que parei sempre fiquei com isso dentro de mim. Chegava até a sonhar. Quando parei tinha até pesadelos, como uma cobrança. Depois que retornei, recuperei meu estado de espírito.”

Fotos de divulgação Artesol

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