Enauro Luiz Rocha Costa
É sobre a matéria prima incomum, os cuités, que Enauro Luiz Rocha Costa espalha luz através de suas belas luminárias.
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Sobre as criações
Coités iluminados. Conhecido por várias denominações populares como cuité, cuieira, auriga, cuia, cina, cujete, porongo e outros, o coité é uma árvore originária da América Central com ocorrência natural da Amazônia até o Sudeste, sobretudo no Cerrado. Pequena e perene, ramificada desde a base e sem uma copa frondosa, o fruto possivelmente seja o que mais a coloca em destaque. Em forma de globo, com até 25 cm de diâmetro, possui propriedades terapêuticas e medicinais eficazes como antidiarreica, analgésica, antiasmática além de indicações como antibiótico, anti-hemorrágico, anti-inflamatório, analgésico e antialérgico, entre outros usos da medicina popular. No entanto, também pode ser tóxico. Os frutos, colhidos de janeiro a agosto, e secos – já sem a polpa – quando cortados ao meio ou em partes menores são usados como utensílios e recipientes domésticos como cuias, pratos, vasilhas, colheres e outros usos, até mesmo como instrumentos musicais.
É sobre essa matéria prima incomum que Enauro Luiz Rocha Costa coloca luz através de suas luminárias. Certo dia, uma tia que morava no interior, no município de Boca da Mata, chegou até ele com um coité e lhe disse: “Desenvolva alguma coisa com esse coité. Porque tem vários lá na minha terra e a gente não faz nada.” Autodidata, o artesão passou dois anos para descobrir como trabalhar com o material. Identificou o tempo certo do fruto, evitando colhê-lo maduro já que, se amadurecer, ele cai e quebra devido ao peso – as vezes um único fruto pesa mais de 10kg; quando e como abri-lo – desafio que contou com a ajuda de um indígena que lhe disse ser preciso aguardar cerca de quatro meses. Mais tarde, desenvolveu uma maquina específica para sua abertura, em seguida, deixa a fruta descansar por 24h para então, limpá-la por fora. Outra máquina foi elaborada para limpar a polpa. A matemática do alinhamento dos furos, a técnica manual dos desenhos, assim como as ferramentas desenvolvidas para essa etapa, foram parte do intenso processo de investigação autoral. Por fim, o acabamento cuidadoso é feito na lixa, a pintura interna branca, para refletir a luz, e a camada de proteção em verniz natural, para não agredir o material, é finalizado com resina. Um conhecimento técnico que os copiadores lutam para desvendar e que resultam em peças únicas e surpreendentes – uma única peça chega a exigir cinco mil furos.
O cuité é de crescimento longo e não precisa de licença para ser coletado, assim, Enauro passou a incentivar o plantio nos interiores, como no Sítio São Jorge. Buscando, encurtar as distâncias para encontrar sua matéria prima, ele produziu mudas e presentou clientes, persuadindo: “Se você tem luminárias aqui, por que não planta um pé de coite pra mostrar pro pessoal de onde ele vem?”. De muda em muda, ele garante a colheita em diversos lugares e orienta as pessoas sobre o tempo certo da colheita: “Ele nasce na cor verde, depois ele vai ficando amarelado para marrom. Algumas pessoas já tiram e deixam para secar.”
O coité pode ser encontrado em alguns pontos na própria cidade de Maceió, como em Boca da Mata, Anadias, Coité do Nóia, município assim nomeado em razão do grande número de coitizeiros. Também é encontrado na região litorânea, próximo a Barra do Camaragibe, onde o turismo predatório coloca em risco os pés de coité nativos. “Há uma cidade pequena aqui perto, eram os maiores pés de coité que eu já tinha visto, imensos! Quando cheguei lá eles haviam cortado o coité para construir um empreendimento. Eles vão cortando os pezinhos do coité, me dá uma dor tão grande.”
Sobre quem cria
Enauro Luiz Rocha Costa tinha na mãe uma exímia artesã. “Ela fazia coisas belíssimas. Eu admirava demais o trabalho dela.” Na juventude, ele a ajudava e assim seguiu na fase adulta, levando-a de carro para comprar matéria prima. Sentia que também tinha um dom, uma vontade imensa de criar. Mas estava estudando, passou em um concurso para o Ministério da Fazenda e lá ficou trabalhando por 21 anos. Certo dia, a visita de uma auditora de Brasília lhe despertou, ela lhe disse que estava no lugar errado: “Você tem o dom das mãos”.
Abriu mão do emprego e abriu um mercadinho, que durou dois anos. Até que, ao receber uma carga de côco e começar a esculpi-los, decidiu que era hora de seguir sua intuição. Fechou o mercadinho e se lançou a trabalhar com arte. Usava, naquele tempo, a quenga do côco para criar o que se imaginasse. Um grupo vindo do Ceará adquiriu todas as suas peças e, pouco tempo depois, surgiram as reproduções. Desestimulado, passou a produzir velas: foi quando percebeu a beleza da luz que atravessava o material. Passou a criar luminárias, vendê-las e logo conheceu o desafiante novo material apresentado pela tia, com a ideia de usar miçangas.
Enauro não tem discípulos de sua arte. Os filhos desistiram, começaram a aprender mas disseram que aquilo era coisa pra louco. Aberto a sugestões, o artesão tem recebido opiniões de clientes, designers e arquitetos, que o ajudam a aprimorar as peças. O conterrâneo Rodrigo Ambrósio foi uma das pessoas que colaboraram sugerindo que Enauro não lixasse completamente a textura do coité na etapa do acabamento, evitando deixá-lo lisinho pois manter um vestígio da característica natural do material iria valorizar ainda mais suas criações. E assim suas peças foram cativando, e iluminando, o Brasil e outros países como Argentina, Itália, Canadá e EUA.
Sobre o território
Enauro é de Maceió, capital de Alagoas, um Estado que foi alvo de disputa entre franceses e holandeses desde as primeiras invasões à região no início do século XVI. A cultura reúne influências indígenas, africanas e europeias percebidas nas festas, na culinária e no artesanato.
Com todo esse sincretismo cultural, os coités iluminados de Enauro são mais uma homenagem à terra natal. Aproveita, para isso, uma matéria-prima regional pouco explorada e os símbolos da terra, que imprime em algumas de suas criações: guerreiros, bumba meu boi, gogó-da-ema, o coqueiro símbolo de Maceió que, acidentalmente, cresceu torto fazendo sua curva parecer com a do pescoço das pernaltas. Uma espécie de monumento da natureza assim como o próprio coité, razão de seu deslumbramento: “As pessoas acham que só porque dá fruto tem que ser comestível. Talvez a beleza que ele, o coité tem, a maior beleza, sirva como recurso para que ele não entre em extinção. A natureza é tão prodigiosa que fez uma árvore com um fruto pra servir de cuia.”