A Rede Artesol - Artesanato do Brasil é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Ilha do Ferro – Alagoas


A Ilha do Ferro está localizada a 235 km da capital Maceió, na região do sertão alagoano e faz parte do município de Pão de Açúcar. Banhada pelas águas do Rio São Francisco, o fazer artesanal do território passa pela pesca e a feitura de redes, pelo entalhe em madeira e pelo bordado Boa noite.

O Território

A Ilha do Ferro está localizada a 235 km da capital Maceió, na região do sertão alagoano e faz parte do município de Pão de Açúcar. Banhada pelas águas do Rio São Francisco, o fazer artesanal do território passa pela pesca e a feitura de redes, pelo entalhe em madeira e pelo bordado Boa noite.

A comunidade ribeirinha da Ilha do Ferro possui cerca de 450 habitantes e aproximadamente 300 pessoas estão envolvidas com arte, cultura e gastronomia, o que inclui a pesca artesanal. No distrito, com suas fachadas coloridas de estilo colonial, é comum observar pessoas tecendo redes de pesca, bordando na frente de casa ou trabalhando com madeiras mortas ou restos de barcos não navegáveis.

O Velho Chico, carregado de histórias e encantamentos, permeia o imaginário do povo e inspira a criação dos artesãos da região. Seu Vavan, artesão da madeira, conta em entrevista para documentário:

“Antigamente o povo dizia que o Rio aqui tinha umas mães d’água, espia! Sereia, Nego D’água…Isso aí tinha muito nesse Rio… É famoso nisso aí”.

O clima árido do sertão alagoano se umedece com o Rio e faz da região um lugar de contrastes e encontros entre o céu e o azul das águas do São Francisco.

“Para começo de história, o povoado não é propriamente uma ilha, dá para chegar tanto pela água quanto pela terra, mas o lugar é tão isolado, pacato e pequeno que parece mesmo uma ilha. Ah, vale iniciar essa história antecipando ainda que a Ilha do Ferro é povoada por contos do Sertão, história de Cangaço, seres fantásticos, fragmentos arqueológicos e por muita arte que ressoa em todos os cantos do lugarejo. O imaginário coletivo da Ilha é fértil e complexo e essa complexidade se expressa em sua arte. “. (Luísa Estanislau para BRASIS)

Crédito da foto: Tom Alves

Como nasce um polo criativo?

Entre tantas histórias, contos e seres do imaginário ribeirinho, torna-se mais fácil criar. São muitas as inspirações e influências no território, mas sem dúvida o fator principal é o contemplativo.

Na madeira ou no bordado, a vontade de criar vem da observância do entorno. O bordado Boa Noite recebe o nome de uma flor abundante no povoado e típica da região árida. Sabe-se que o bordado vem da época da colonização portuguesa, mas algumas artesãs contam que a técnica, que se assemelha com o labirinto, foi ensinada por uma mulher de Mata da Onça, distrito próximo, sendo adaptada e ganhando identidade própria. Quem inovou foi uma senhora chamada Dona Ernestina, agricultora que bordou a flor Boa Noite no tecido, marcando e dando nome ao bordado da Ilha do Ferro. A tradição de desfiar e bordar tecidos vem a mais de um século formando a paisagem do povoado, com mulheres que bordam na frente de casa, flores e barcos como um jeito de narrar o próprio território. Muitas vezes na luz do candeeiro, como recitado no documentário “O artesanato na Ilha do Ferro”:

“À noite

O dia sobre a mesa

Tarde luz de um lampião

Sob um sopro de descanso

Um pano de Boa Noite.

Boa noite”.

Bordado Boa-Noite/ Crédito das fotos: Tom Alves

Como se mantém um processo criativo?

O distrito da Ribeira, localizado a 12 km do centro de Cabaceiras, sedia um dos maiores polos de produção de couro do Brasil, ganhando destaque pela excelência do couro caprino. A Ribeira poderia facilmente ser mencionada como referência de autonomia através do artesanato e do cooperativismo. O distrito, que conta com pouco mais de 5 mil habitantes, não compartilha da realidade de desemprego de boa parte do Brasil. Ao contrário, frequentemente precisa de mão de obra para trabalhos nos curtumes e ateliês.

No centro da Ribeira encontra-se a sede da ARTEZA, com seu centro administrativo e as oficinas de uso em comum dos 75 cooperados. Mais distante do centro, o curtume coletivo, que também é de uso da ARTEZA, conta com visita guiada para que curiosos e turistas entendam todo o processo de beneficiamento do couro caprino. A ARTEZA, que iniciou suas atividades com 28 cooperados homens, atualmente é sede de 75 ateliês que também contam com forte presença feminina, mostrando que a expansão e a cultura do couro propiciam autonomia independentemente de gênero, raça ou classe.

São muitos os processos do trabalho com o couro até que ele se torne um produto a ser comercializado. Caleiro, raspagem, descarne, curtimento vegetal, lavagem, secagem, acabamento, montagem, costura… Toda essa cadeia representa tempo e dedicação, mas também emprego e autonomia. Pensando na constante demanda de mão de obra e na importância da perpetuação de saberes e tradições, Luís um dos organizadores da ARTEZA, destinou um espaço para criação da Oficina de Saberes. Nesse espaço, o ofício do couro é ensinado para crianças da região no contraturno do horário escolar, com apoio e autorização dos pais e a remuneração das produções.

Vale ressaltar que nem todos os ateliês e artesãos fazem parte da cooperativa e que a rede que se forma vai muito além dos 75 cooperados registrados na ARTEZA. Nos processos das feituras, encontramos a diversidade de produtos e criações entre os ateliês, desde peças mais formais e básicas a produtos com mais desenho e traços artesanais marcados. Ateliês, como o de seu Manuel Carlos, onde o processo manual é predominante na criação. Ou industrianatos que seguem linhas de produção e uso de máquinas, com processos bem automatizados.

No distrito da Ribeira, o entendimento do artesanato e do cooperativismo acontece na prática, trazendo para a população o reconhecimento da própria cultura, diluindo o pensamento de escassez e menor valia dos processos artesanais imbuídos pelo sistema capitalista e pelo racismo estrutural do país. Proporciona, assim, a quem se interesse um ponto de vista próspero do semiárido nordestino, onde a escassez de água nada tem a ver com pobreza.

Crédito das fotos: Vanessa Gomes

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