A Rede Artesol - Artesanato do Brasil é uma iniciativa da Artesol, organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 1998 pela antropóloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal é promover a salvaguarda do artesanato de tradição cultural no Brasil. Por meio de diversas iniciativas, a Artesol apoia artesãos em todo o país, revitaliza técnicas tradicionais, oferece capacitação, promove o comércio justo e dissemina conhecimento sobre o setor.

Soure – Pará


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CEP 68870-000, Soure – PA

O Território

Soure está localizada na Ilha do Marajó, na região do Arari, a aproximadamente 96 km de Belém do Pará. Território de forte ancestralidade indígena, povoada antes da colonização pelo povo Muruanezes. Considerada a capital da ilha do Marajó, que tem o seu nome derivado do tupi significando “anteparo do mar” ou “tapamar”. Maior ilha fluviomarinha do mundo, cercada pelos rios Tocantins e Amazonas e pelo oceano Atlântico, o bioma de Soure passeia entre praias desertas, rios, igarapés e cachoeiras. Lugar onde o rio e o mar se encontram e oferecem um dos eventos mais icônicos da Amazônia, a pororoca, atraindo turistas de todo o país para a região.
Dentro da Ilha encontram-se achados arqueológicos cerâmicos que despertam a curiosidade e o interesse de inúmeros pesquisadores pela iconografia encontrada nos padrões impressos no barro, que aproxima ainda mais o Brasil do seu passado pré-colonial. Denise Pahl, em sua conferência A Arte da Cerâmica Marajoara: Encontros Entre o Passado e o Presente, comenta a respeito da representação das serpentes nas cerâmicas arqueológicas:

“Elas são representadas, como outros animais, de maneira naturalista e também de maneira gráfica, pictórica, metonímica, por meio da reprodução de suas partes: corpo, rabo, cabeça, pele. Essa ubiquidade da representação de cobras nos indica que esse ser era muito importante para aquelas populações, provavelmente uma personagem relacionada à história cultural do grupo, à sua formação, surgimento e ao início dos tempos. Investigando mitos e cosmologias de populações ameríndias da Amazônia, constatamos realmente que a cobra grande, a anaconda, em suas diversas formas, desempenha um papel fundamental para a criação física do grupo e obtenção de conhecimentos”.

Como nasce um polo criativo?

Foto: Bruno Gonçalves.

A cerâmica Marajoara tem origem pré-colombiana, carrega séculos de tradição, mitologia, história oral e arqueológica, pois o barro traz corpo e materialidade para o que se conta. O saber ancestral passado de geração em geração, por familiares e mestres, que junto a técnica do saber-fazer também passam adiante conhecimentos iconográficos que mais parecem caminhos para uma infinidade de saberes e crenças de tempos distantes que se perpetuam até os dias atuais. Os padrões impressos na cerâmica marajoara contam histórias e falam de hierarquias.

Região de planícies, sujeita a inundações cíclicas, os povos originários da região desenvolveram os Tesos, aterros artificiais, com aproximadamente 10 metros de altura, onde arqueólogos encontraram ossadas humanas e cerâmicas que datam entre o ano 400 e 1400 d.c. Dentre os achados, observam-se cerâmicas com símbolos e iconografias marcantes e peças sem nenhuma “decoração”, o que leva pesquisadores a acreditarem que as peças mais trabalhadas e com riqueza de detalhes eram utilizadas em festas, rituais e enterros, sendo inclusive usada em cremações.

Os artesãos e artesãs, apesar de não terem parentesco próximo ou direto com os primeiros oleiros da região, decidiram manter a utilização de iconografia tão marcante nos achados arqueológicos. Na música do Boi-Bumbá Caprichoso encontramos um pouco da história:

“Em era primevas Amazônia,
índios e os primeiros cacicados
Veio uma cultura rica e rara
Ananatuba, mangueiras e formigas

E o esplendor da cerâmica marajoara
E o esplendor da cerâmica marajoara

Tapajônicos e santarenos
Esculpindo o barro e moldando a vida
Na Habilidade das mão,
Que expressam o amor
Os mitos e religiões
Nas pinturas
Com o negro das fuligens
Urucú e caulin
E em cada traço geométrico
O início e o fim
O belo, o rude e o tétrico
E o Caprichoso em sua arte infinita
Relembra os nossos ancestrais
E a sua herança bendita
Que ainda hoje vive nas mãos
Do caboclo ceramista”.

Como se mantém um processo criativo?

Na Ilha de Marajó o cuidado com os infinitos símbolos iconográficos se faz presente também na perpetuação de saberes. Existe uma preocupação por parte dos artesãos de entender e compartilhar a história por trás da simbologia impressa. 

Traços que geram curiosidade e interesse, mas antes de tudo representam a ancestralidade da atividade na região. Diferente de outros polos de cerâmica, a referência do povo marajoara é milenar. Como conta Cilene Andrade em entrevista:

“Aqui o tempo é muito relativo. Pergunta-se: “Quanto tempo leva para fazer essa peça?”. Aí a gente pode responder: Olha, ela leva em torno de 4 dias, sem queimar. Mas se formos considerar o tempo que a gente vem aprimorando, nossa peça tem 15 anos, porque ela levou 15 anos para que ficasse nesse nível, aprimorada, tão bonita. Mas se a gente realmente for levar a fundo essa resposta. Cada peça tem 3400 anos. Porque se não fossem nossos antepassados nós não teríamos referência nenhuma para produzir cerâmica marajoara”.

Cilene é uma das fundadoras, junto ao artesão Ronaldo Guedes, do Coletivo Arte Mangue Marajó, local que reúne 20 artesãos de Soure que se juntaram para melhorar suas dinâmicas de trabalho e a realidade da própria comunidade. O coletivo também funciona como espaço de ensinar e aprender, trazendo para o centro das atividades os 3400 anos de ocupação no território. 

Peças produzidas no Soure- PA/ Crédito das fotos: 1 e 3. Cerâmica Ellen Castro / 2 e 4. Divulgação Artesol.

Outro espaço importante em Soure é o Ateliê M’Barayó conduzido por Carlos Amaral e Rosângela, anfitriões que acolhem os visitantes não apenas apresentando suas peças, mas contando histórias, explicando cada detalhe das peças expostas. Fazendo com que visitantes ao comprarem uma cerâmica marajoara, entenda sua origem e todo estudo e trabalho de anos para preservar a memória e o saber-fazer.

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